segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Série ROMANOS: O Evangelho de Paulo V


Situação Histórica Formativa da Epístola aos Romanos IV

O PROPÓSITO DA REDAÇÃO

DE ROMANOS

D.F.Izidro

Preliminares

         O estilo tratadício de Romanos dá origem a uma das perguntas teológicas mais debatidas a respeito da carta: qual foi o propósito de Paulo ao enviar aos cristãos de Roma uma exposição teológica tão densa?[1]

         Se, porventura, buscarmos afirmações explícitas de propósito na própria carta, encontraremos bem pouca ajuda para responder a essa pergunta.

         Paulo escreve sobre os motivos que tem para visitar Roma, mas não sobre o motivo para escrever sua carta.

         Quiçá, o método mais plausível para determinar o propósito de Romanos seja harmonizar o conteúdo da carta com a ocasião em que a mesma foi escrita, isto é, situá-la nos planos de Paulo em relação a sua obra missionária na Espanha; e também nas possíveis polêmicas anti-judaizantes de Paulo concernentes aos seus inimigos.

A Missão de Paulo na Espanha

         Sem dúvida, o objetivo da carta de Paulo aos Romanos é o anúncio da preparação da visita do apóstolo em Roma, há muito planejada.

         Esse plano de Paulo se torna mais explícito no final da carta: o Apóstolo quer ir a Roma apenas de passagem, pois seu verdadeiro destino é a Espanha, onde que levar o Evangelho (15.23s,28s); Paulo espera ser encaminhado para lá pelos cristãos romanos (15.24), isto é, ser apoiado por eles nesse novo trabalho missionário.[2] Um dos propósitos de Paulo ao escrever a carta pode ter sido, portanto, o de apresentar-se aos cristão em Roma, preparando assim sua visita e seu pedido de patrocínio.

         Portanto, Paulo quer fazer de Roma a base de partida e de apoio de sua missão espanhola; Romanos quer dar à comunidade cristã de Roma uma imagem autêntica da pregação do apóstolo, ao qual ela conhece apenas de ouvir falar, para que assim ganhe confiança nele e, então, apóie e patrocine seu projeto missionário de evangelizar a Espanha.

         Não obstante, fazer preparativos para a missão na Espanha não pode ter sido o único motivo da Epístola. Se esse fosse o propósito dominante da carta, seria de se esperar que Paulo tivesse mencionado a Espanha muito antes do cap.15 de Romanos.

         Portanto, para explicar o propósito de Paulo em Romanos, é necessário algo mais específico do que um mero desejo de se apresentar e preparar o campo de atuação missionária.

Obstáculos à Execução dos Planos de Paulo e Polêmicas Judaizantes

         Duas dificuldades parecem ter confrontado Paulo em relação à concretização de seu projeto missionário em Roma e Espanha:

1. Uma delas residia em seu próprio princípio de não anunciar o Evangelho onde Cristo já fora anunciado, a fim de não construir sobre um fundamento alheio (15.20s; IICo.10,15s). Com a proclamação evangélica de Paulo em Roma (cf.1.15), o apóstolo estava em vias de romper de certa forma com esse princípio, pois queria não apenas pregar o Evangelho em Roma, como também firmar-se ali para poder depois realizar sua campanha missionária na Espanha. [3] É interessante notar também que, em 15.20-23, Paulo justifica sua procrastinação em visitar a igreja de Roma não com base em seu princípio de “não intervenção”, mas sim em sua falta de oportunidades para tal. Mas como Paulo poderia pregar à Igreja de Roma sem infringir o seu princípio de “não intervenção”? Paulo fundamenta o seu direito de anunciar o Evangelho em Roma com a pressuposição de que a comunidade romana seria, predominantemente, gentílico-cristã (1.5s), e que, portanto, ela também seria de sua competência como o “Apóstolo dos gentios” (15.15-19); não obstante, como que para amenizar o problema, duas vezes acentua que estaria em Roma somente de passagem (15.24,28).

2. O segundo obstáculo à execução do projeto missionário de Paulo em Roma e especialmente na Espanha, era ainda maior. Paulo tinha que contar, possivelmente, com o fato de que a hostilidade de seus adversários, que lhe haviam perturbado a vida com sua agitação em seus campos missionários e em Jerusalém, também teria conseguido influência em Roma (cf.3.8); e ele tinha que reagir a essa influência, caso já existisse, ou, caso ainda não, prevenir-se contra ela, para que seu plano de ir a Espanha fosse bem sucedido. A partir dessa tendência explicam-se as manifestações apologéticas e polêmicas da Carta aos Romanos. Essas se ocupavam-se com objeções que eram feitas constantemente da parte de adversários judeus e cristãos-judeus contra o seu Evangelho da justificação somente pela fé, e sobre as quais ele mesmo teve que refletir como antigo judeu que, como cristão, continua crendo no Deus de Israel. Para esclarecer seu Evangelho (1.16s), Paulo teve que reagir a essas objeções, a fim de eliminar ou impedir interpretações erradas e conseqüências equivocadas: que ele “destruiria a lei por meio da fé” (3.31), que consideraria a lei como é pecado (7.7), que seria inimigo de Israel (9-11) e principalmente que ensinaria de modo conseqüente um libertinismo desenfreado (3.8 cf. 6.1,15). Sem apoio por parte da comunidade romana o plano missionário de Paulo evangelizar a Espanha não seria concretizado. E esse apoio não seria conseguido se em Roma a concepção da pessoa, doutrina e atividade de Paulo que seus adversários espalhavam predominasse. Portanto, se Paulo queria refutar essa concepção, ou impedi-la de antemão, então tinha que expor aos cristãos romanos seu Evangelho por extenso, e isso com considerações sobre a Escritura, a Lei judaica e o povo judeu. Daí a exposição sistemática detalhada e o caráter teológico desta carta de apresentação e recomendação do Apostolo Paulo.

         Devemos, então, a redação da carta aos Romanos à sua finalidade principal de preparar a missão de Paulo na Espanha; e ao combate de interpretações erradas da mensagem paulina, devemos o modo como foi escrita a Carta aos Romanos, isto é, seu conteúdo teológico.[4]


BIBLIOGRAFIA

BROADUS,David Hale.Introdução ao Estudo do Novo Testamento.Rio de Janeiro:Editora Juerp,1983.
CARSON,D.A.;MOO,Dougla;MORRIS,Leon.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo: Editora Vida Nova,1997.
CULLMANN,Oscar.A Formação do Novo Testamento.São Paulo:Editora Sinodal,1984.
GUNDRY,Robert H.Panorama do Novo Testamento.São Paulo:Vida Nova,1978.
KUMMELL,W.G.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo: Paulus/Teológica,2003.
QUESNEL,Michel.Paulo e as Origens do Cristianismo.São Paulo:Paulinas,2005.
TERRA,João E.M.Revista de Cultura Bíblica – Cartas de São Paulo.São Paulo:Edições Loyola,2000.
VIELHAUER,Phillip.História da Literatura Cristã Primitiva.São Paulo:Academia Cristã,2005.


[1] Desde que existe uma visão histórica do NT, e desde que não se compreende mais Romanos como Dogmática Atemporal, nunca mais se interromperam as tentativas de entender a epístola historicamente. Na maioria das vezes se procedeu como se procedia no estudo das outras cartas de Paulo, isto é, procurando referências, circunstâncias e opiniões concretas na comunidade destinatária que se encaixasse com passagens da epístola. No entanto, os resultados têm sido os mais diversos, e, se, por um lado afirma-se que Romanos dirige-se a problemas contemporâneos de Paulo ou de seus leitores, por outro se aponta o caráter por demais não-relacional da epístola com problemas atuais paulinos ou da comunidade. Portanto, a resposta à pergunta sobre porque Paulo escreveu essa epístola deve poder nos ajudar a entender melhor a natureza de seu texto.
[2] O verbo utilizado por Paulo em 15.24, propempw (propémpo [ajudar alguém em sua viagem]), tem a conotação de “ajudar materialmente alguém em viagem”.
[3] Segundo Vielhauer (História da literatura cristã primitiva.Academia Cristã: São Paulo.p.212), “Naturalmente [Paulo] não seguia esse ‘princípio de não-intervenção’ com demasiado rigor;- pois não teve escrúpulos de atuar na comunidade de Antioquia, não fundada por ele, e de usá-la por vários anos como base  para suas viagens missionárias..”.
[4] Não obstante, D.A.Carson, Douglas Moo e Leon Morris (Introdução ao novo testamento.Vida Nova: São Paulo.p.282), argumentam equilibradamente que “..não se pode restringir o propósito de Paulo em Romanos a nenhuma dessas teorias específicas. Talvez seja melhor falar dos vários propósitos de Paulo em Romanos. Diversos fatores entre cruzados juntam-se para formar o que poderíamos chamar de situação missionária de Paulo, e é a partir dessa situação que ele escreve Romanos”.

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