quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Judaísmo Antigo e Novo Testamento

Os Estudos Judaicos e a

Pesquisa do Novo Testamento[1]


D.F.Izidro


A Importância dos Estudos Judaicos para a Pesquisa do NT

         Os esforços exegético-hermenêuticos dos antigos judeus para a leitura das Escrituras hebraicas do AT acabaram por influenciar e condicionar a pesquisa do NT e do cristianismo primitivo em dois sentidos:

         Primeiro no sentido paradigmático, pois o método exegético judaico acabou por influenciar e,por vezes,determinar a interpretação que o Jesus histórico e os cristãos primitivos faziam das Escrituras veterotestamentárias.

         Segundo no sentido enciclopédico,pois a exegese judaica gerou uma ampla gama de fontes literárias sobre antigas tradições,costumes e concepções judaicas dos tempos de Jesus e do cristianismo primitivo que,provavelmente,não disporíamos de outra maneira.

         Colocando de outra forma,a exegese judaica,especialmente dos primeiros 5 séculos de nossa era,nos legaram, através de sua literatura,imprescindíveis fontes para o contexto judaico de Jesus e dos cristãos primitivos.

         Jesus era judeu;todos os autores conhecidos do Novo Testamento,à exceção de Lucas,eram também judeus;os primeiros cristãos eram judeus – portanto,as origens cristãs são óbvia e inelutavelmente judaicas.

         Isso,contudo,não parece ser tão óbvio assim para a maioria dos pesquisadores do Novo Testamento e do paleocristianismo,pois,segundo Geza Vermes (1996),

Ao que parece,a maioria dos atuais especialistas em Novo Testamento não pode ‘examinar com seriedade’ nem se ‘orientar com firmeza’ pelas línguas e literaturas que formam o substrato judaico do Novo Testamento, embora concedam que o ‘material semita’ tem utilidade para o seu objeto de estudo e reconheçam, ‘da boca para fora’,sua importância.

         Dr.Craig A. Evans,Ph.D.em estudos bíblicos e distinguido professor de Novo Testamento no Acadia Divinity College,Canadá,também chama atenção para o despreparo semítico de muitos especialistas em NT;eruditos que dominam bem o background greco-romano,mas sem perícia no hebraico e aramaico,sem conhecimento mesmo da literatura rabínica e dos targuns (EVANS,2009).

         As descobertas de Qumrân,em 1947, amplificaram ainda mais a necessidade de uma busca pelo substrato judaico do NT e do paleocristianismo;bem como forneceram um complemento às fontes judaicas para o estudo desses objetos (VERMES,1996).

         O historiador do judaísmo do século I de nossa Era,Geza Vermes,sintetiza a questão de uma forma bastante dramática e incisiva:

Em resumo,tornou-se evidente para muitos – ao menos em teoria!- que o conhecimento do substrato judaico do Novo Testamento não é apenas um elemento a mais:sua importância é tal que nenhuma compreensão adequada das fontes cristãs é possível sem ele. (VERMES,1996)


A Literatura Rabínica e o Novo Testamento

         O biblista espanhol Miguel Pérez Fernández (2000,382-383),reflete,como segue,sobre a contribuição da literatura rabínica ao estudo do NT;

         (1) Não obstante a literatura rabínica clássica date do III século em diante,muitas de suas tradições,ditos e prescrições halákicas remontam à época neotestamentária e até mesmo antes de Cristo;contudo,para tanto é preciso uma leitura crítica e histórico-literária para a datação e/ou conclusão pela antiguidade das fontes;

         (2) O caráter fundamentalmente tradicional do judaísmo rabínico é garantia de êxito para o pesquisador,uma vez que busca conservar,mesmo que sob alguma forma de desenvolvimento,tradições antigas;o desenvolvimento,e não a ruptura,pode nos remeter às origens,como os efeitos às causas;

         (3) O judaísmo rabínico deve ser abordado por si mesmo,respeitando-se sua própria auto-compreensão;

         (4) devemos nos limitar ao recorte temporal dos séculos I-III d.C.da literatura rabínica,o que inclui como fonte para o contexto do NT os Targuns,Mishná,Tosefta e Midrashim,bem como o trabalho dos tanaítas,cuja tarefa foi recopilar a Lei oral na Mishná e na Tosefta e justificá-la pelas exegeses dos midrashim;isto,contudo,não deve excluir o uso de “fósseis” traditivos ulteriores como os Talmudes,nos séculos IV-V,e mais adiante,no desenvolvimento das tradições judaicas.

         A seguir,alguns exemplos de paralelismo entre tratados da Mishná e do Talmude e o Novo Testamento,os quais indicam afinidades linguisticas, pressupostos teológicos e contextos sócio-culturais comuns:

A Mishná e o Novo Testamento

O binômio traditivo receber-transmitir



I Co 15.3

Abot 1.1

“Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras…”


“Moisés recebeu a Torá no Sinai e a transmitiu a Josué;Josué,aos anciãos;os anciãos,aos profetas;e os profetas,aos homens da Grande Assembléia...”




A Mishná e o Novo Testamento

O homem será medido por Deus



Mt.7.1-2

Sot 1.7a

“Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras…”


“ Com a medida que alguém mede será medido.”





A Mishná e o Novo Testamento

paralelos de estrutura e conteúdo



Mt.5.19

Qid 1.10

“19 Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus.”

Todo aquele que cumprir um só preceito terá bem-estar,ser-lhe-ão numerosos os dias e herdará a terra;no entanto àquele que não cumpre um só preceito,nada lhe sairá bem,não se alongarão seus dias e não herdará a terra ”






O Talmude e o Novo Testamento

halakot a partir do “microscópico”



Mt.5.18

Talmude Babilônico,Men 29b

“ Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra.”


“ R.Yehudah dizia,em nome de Rab:Quando Moisés subiu aos céus,encontrou o Santo,bendito seja,ocupado em adornar com coroas as letras do alfabeto.Moisés perguntou-lhe:
- Senhor do mundo,isso é indispensável?
- No final de muitas gerações virá um homem, cujo nome será Aqiba ben Yosef.Ele deduzirá montanhas de halakot de cada adorno.”





[1] Bibliografia: DA SILVA,Cassio Murilo Dias.Metodologia de Exegese Bíblica.São Paulo:Paulinas,2000;EVANS,Craig A.O Jesus Fabricado. São Paulo:Cultura Cristã,2009; VERMES,Geza.Jesus e o Mundo do Judaísmo.São Paulo: Loyola, 1996; SCHNELLE, Udo. Introdução à Exegese do Novo Testamento.São Paulo: Loyola,2004; PÉREZ,G. Aranda;MARTÍNEZ,F.García; FERNÁNDEZ,M.Pérez.Literatura Judaica Intertestamentária.São Paulo: Ave Maria,2000; TREVIJANO, R.A Bíblia no Cristianismo Antigo.São Paulo:Ave Maria, 2009.

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