quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Jesus Histórico I

Definição e História da Pesquisa[1]

D.F.Izidro

1. Definindo Jesus Histórico


         O “Jesus Histórico” não é o “Jesus real”. O Jesus real está perdido na história antiga,assim como outros personagens do passado,por falta de dados objetivos a respeito dos mesmos [Tales de Mileto, Apolônio de Tiana, Davi, Salomão] (J.Meier, 1998).

         O “Jesus Histórico” não é o “Jesus terreno”, uma vez que esse último nos chega por intermediários e fontes subjetivas, de modo que pouco sabemos sobre ele com exatidão histórica no que tange à sua vida e atuação na terra.

         O conhecimento rigidamente histórico que temos do “Jesus terreno” nos evangelhos é parcial e colorido teologicamente (J.Meier,1998).

         O “Jesus Histórico” é o Jesus que podemos recuperar utilizando os recursos e a metodologia da investigação histórica.

         Trata-se, pois, de uma “elaboração científica” e abstração teórica moderna, necessariamente limitada, como todo conhecimento histórico (J.P.Meier).

2. Etapas da Pesquisa do Jesus Histórico

A. A Primeira Busca: de Reimarus a Wrede (1778-1901)‏

         A primeira etapa na investigação sobre a vida de Jesus começou em meados do século XVIII com os trabalhos de H.Reimarus (1694-1778). Professor de línguas orientais e adepto da religião da razão proposta pelo deísmo inglês.

         Reimarus foi pioneiro no tratamento da vida de Jesus em perspectiva puramente histórica; em sua obra póstuma, publicada por G.Lessing,Reimarus faz distinção entre a pregação de Jesus e a fé dos apóstolos no Cristo.

         Segundo Reimarus, há uma discrepância entre a mensagem político-messiânica de Jesus e a pregação apostólica do Cristo morto e ressusctiado,a qual é explicada como fraude pós-pascal dos discípulos.

         Reimarus foi o primeiro a fazer distinção entre o Jesus da história e o Cristo da fé: “Considero uma grande causa separar totalmente o que os apóstolos apresentam em seus escritos daquilo que Jesus de fato disse e ensinou em sua vida” (Reimarus,1778).

         David Friedrich Strauss, filósofo e teólogo, apareceu com sua Vida de Jesus, em 1835/36, corrigindo a idéia de fraude de Reimarus e propondo uma leitura mítica dos Evangelhos.

         Segundo Strauss, os Evangelhos são relatos míticos,pois possuem elementos que contradizem as leis da natureza.Estes elementos não-históricos não são fruto de engano,como pensava Reimarus,senão da imaginação mítica,criada espontaneamente para transmitir uma idéia.

         Strauss foi o primeiro a conceber o Evangelho de João como mais teológico e menos histórico em sua estrutura redacional. Também era de opinião de que Mateus e Lucas eram os Evangelhos mais antigos, sendo Marcos uma síntese de ambos.

         Essa visão de Strauss sobre a relação entre os Evangelhos mudaria com o advento da Pesquisa Liberal sobre a vida de Jesus.

         O fundamento metodológico da pesquisa liberal sobre Jesus é a exploração crítico-literária das fontes mais antigas sobre Jesus. Seu objetivo era libertar Jesus do dogma da Igreja.

         Em 1838,C.H.Weisse e C.G.Wilke propuseram de forma independente a nova hipótese  de que Marcos não era um resumo dos outros dois,senão o que lhes havia servido de fonte. Weisse postulou ademais a existência de uma fonte de ditos comum a Mateus e Lucas (Q): as bases da hipótese das duas fontes.

         Tendo Marcos e Q como as fontes mais antigas para Jesus, a pesquisa liberal achou ser possível reconstruir a vida de Jesus historicamente.

         Marcos, suplementado pelos ditos de Jesus em Q,fora a base para a construção das vidas de Jesus desse período,no século XIX.Esse otimismo contudo,seria quebrado no início do século seguinte.

         Alguns fatores contribuíram para um verdadeiro colapso no otimismo liberal da pesquisa histórica sobre Jesus:

         Em 1901,W.Wrede publicou seu estudo sobre o segredo messiânico nos Evangelhos. Este livro manifestou a importância das motivações teológicas de Marcos e,conseqüentemente,seu caracter tendencioso. Segundo Wrede,o Evangelho de Marcos não é uma crônica da vida de Jesus,senão que projetou sobre ele a fé pós-pascal no messias.

         O fato de impor silêncio aos que lhe reconhecem como Messias seria,segundo Wrede,um recurso de Marcos para explicar porque muitos discípulos de Jesus não sabiam nada acerca de sua messianidade.

         A obra de Wrede levou a investigação sobre a vida de Jesus a um beco sem saída: Wrede demonstrara que as fontes mais antigas de que se dispunha sobre Jesus eram teologicamente tendenciosas, expressão dogmática da comunidade cristã antiga.

         A primeira busca do Jesus Histórico terminou com uma sensação de impasse,que se acentuou com a publicação em 1906 da História da Investigação sobre a Vida de Jesus de A.Schweitzer.

         Em sua aguda apresentação das obras publicadas desde Reimarus,Schweitzer demosntrou que os autores das vidas de Jesus haviam projetado sobre ele o que cada um considerava o ideal ético supremo.

         Rudolf Butmann (1884-1976),com base na Formgeschichte,e autores como Martin Kähler, consideraram impossível e desnecessária a busca pelo Jesus da história: o Cristo da fé é tudo o que temos, e tudo o de que precisamos.

         Seguiu-se,entre 1901 e 1953, um período de ceticismo em relação a possibilidade da pesquisa histórica sobre Jesus,não obstante o trabalho otimista de estudiosos como Joachim Jeremias.

B. A Segunda Busca: 1953-1980

         O ponto de partida da segunda etapa na investigação sobre o Jesus Histórico foi uma conferência pronunciada por E. Käsemann em 20 de outubro de 1953, em uma reunião de antigos alunos de Bultmann.

         Käsemann propõe a necessidade de revisar a pesquisa do Jesus Histórico uma vez que o kerigma cristão identifica o Cristo ressuscitado com o Jesus terreno,fazendo assim do Jesus da história um assunto central e também pressuposto básico da fé cristã.

         Segundo Käsemann, o kerigma cristão compromete-se com a pergunta pelo Jesus da história,de modo que a continuidade entre o Jesus terreno e o Cristo exaltado é pressuposta em toda a literatura cristã primitiva.

         A proposta de Käsemann foi escutada e ao seu ensaio programático seguiram outros de seus colegas desenvolvendo suas idéias. Seu influxo foi decisivo nas três décadas seguintes. A obra mais representativa é,sem dúvida,o Jesus de Nazaret de G.Bornkamm,publicado em 1956.

         A “nova pergunta pelo Jesus histórico”, liderada pelos alunos de Bultmann, se fundamenta na confiança de que se pode encontrar um mínimo criticamente assegurado de tradição autêntica sobre Jesus com base no método da dessemelhança ou descontinuidade de Jesus em relação ao judaísmo e/ou cristianismo primitivo.

         Um exemplo: o convite de Jesus a seus discípulos para que se convertam em “pescadores de homens” pode atribuir-se a Jesus,pois nem se encontra no judaismo,nem no ministério pastoral da igreja posterior.

         Com este critério,a nova busca foi elaborando uma “base de dados”, principalmente palavras de Jesus, que podia considerar-se histórica. Estes elementos “mais seguros” podiam utilizar-se depois como modelo para avaliar outros menos claros,dando lugar assim a um critério secundário: o de coerência.

         A aplicação deste critério deu como resultado uma imagem de Jesus desvinculada de suas raízes judaicas,que em última instância tratava de corrigir a visão unilateral de Bultmann, o qual via Jesus como exclusivamente judaico e,portanto, irrelevante para a fé cristã.

C. A Terceira Busca: de 1980 até Hoje

         Em 1980 começa uma nova etapa na investigação sobre o Jesus histórico, “a terceira busca” (third quest), propiciada por diversos fatores.

         Um dos mais importantes foi a aparição de novas perspectivas metodológicas que intentam compreender melhor os textos do Novo Testamento reconstruindo seu contexto com a ajuda das ciências sociais.

         Esta nova perspectiva metodológica coincidiu com um melhor conhecimento dos textos cristãos antigos, tanto canônicos, como apócrifos ;somando a isso um notável desenvolvimento dos estudos sobre a obra de Flávio Josefo e sobre os escritos de Qumran,e com importantes contribuições da arqueologia.

         Dr.Craig Allan Evans,um dos maiores pesquisadores do Jesus Histórico da atualidade,com inúmeras publicações sobre o tema,assim descreveu as contribuições da terceira busca à pesquisa histórica de Jesus de Nazaré:

Em minha visão há cinco importantes áreas de investigação e em todas estas cinco tem havido significativo progresso em anos recentes. Eu elaboro estas áreas como questões. Elas incluem (1) a questão da localização étnica, religiosa e social de Jesus; (2) a questão dos objetivos e missão de Jesus; (3) a questão da auto-compreensão de Jesus; (4) a questão da morte de Jesus; e (5) a questão da ressurreição de Jesus. Algumas destas questões têm importantes implicações para as relações judaico-cristãs. (EVANS,p.1)

         O melhor conhecimento do judaísmo, resultante destes fatores, providenciou uma revisão do trabalho feito pelos discípulos de Bultmann.

         Descobriu-se que o judaísmo do I século d.C. não era homogêneo, mas pluriforme,e que dentro desta pluralidade Jesus pode ser compreendido como um judeu de seu tempo.

         Este descobrimento questionou a primazia do critério de dessemelhança, e pôs em seu lugar um novo critério de historicidade: o chamado critério de plausibilidade histórica.

         Segundo este critério, é historicamente plausível tudo aquilo que revele, ao mesmo tempo,uma relação de continuidade e descontinuidade com respeito ao judaísmo anterior a Jesus,e com respeito ao cristianismo nascente.

         O círculo de estudiosos se abriu para abarcar outras disciplinas (a antropologia ,a arqueologia),outras confissões e religiões (católicos e judeus), e outras nacionalidades (sobre tudo norte- americanos).

         A terceira busca se mostra interdisciplinar, interconfessional, interreligiosa, internacional.




[1] Bibliografia: MEIER,J.P.Un Judío Marginal:Nueva Visión del Jesús Histórico.Tomo I.Pamplona (Navarra):Editorial Verbo Divino,1998; SCHWEITZER,Albert.A Busca do Jesus Histórico.São Paulo: Novo Século,2003;THEISSEN,G.;MERZ,A.El Jesus Historico:Manual.Ediciones Sigueme, Salamanca: 1999;EVANS,C.A.Assessing Progress in the Third Quest of the Historical Jesus.Acadia Divinity College, Wolfville, NS, Canadá.Disponível em www.craigaevans.com. Acesso em 25 de julho de 2009.


Nenhum comentário:

Postar um comentário