terça-feira, 2 de agosto de 2011

Série Documentos do Cristianismo Primitivo I

Fragmento do Cânon de Muratori[1]

D.F.Izidro

Descoberto em 1740, na antiga biblioteca Ambrosiana de Milão, na Itália, por Ludovico Antonio Muratori (1672-1750), erudito italiano, e preservado num manuscrito palimpsesto do VIII século d.C., o fragmentum muratori, também chamado Cânon de Muratori, documento da Igreja Cristã Primitiva de Roma, constitui-se no mais antigo elenco de livros do Novo Testamento, sendo de inefável importância para o estudo do processo histórico da formação do Cânon do Novo Testamento e do cristianismo primitivo. Trata-se,portanto,de uma importante relíquia da antiguidade cristã. Data provavelmente de 170-200 d.C. Os limites da datação do fragmento são definidas pela referência ao Pastor de Hermas (de 150 d.C.) e ao episcopado de Pio I,em Roma, morto em 157 d.C. A seguir uma tradução do referido fragmento, escrito em latim, tradução de um original grego, e mutilado no seu início e final:[2]

1...Todavia,a alguns fatos esteve presente.
Depois, o terceiro livro do evangelho é segundo Lucas. Este Lucas, médico, depois da ascensão de Cristo, escreveu o Evangelho que tem a ele por autor, valendo-se das coisas que tinha ouvido quando estava com Paulo como incansável companheiro de suas viagens;mas ele também  não viu o Senhor,quando estava aqui embaixo. Escreveu, pois, em conformidade com o que diligentemente tinha reunido, começando pelo nascimento de João.

10 O quarto evangelho é de João, um dos discípulos. Às insistências dos condiscípulos e de seus presbíteros, ele respondeu: “Comecemos hoje a jejuar por três dias; depois contaremos uns aos outros o que tiver sido revelado a cada um de nós.” Na mesma noite André,um dos apóstolos,teve uma revelação segundo a qual,com a aprovação de todos,João devia escrever o Evangelho do qual é o autor.

Embora em cada um dos evangelhos os pontos de vista sejam diversos, 20.essa diferença não compromete a fé dos crentes,porque em cada um deles é único o espírito dirigente que anima a exposição dos fatos relativos ao nascimento,à paixão,à ressurreição e à vida que depois dela ele passou com os seus discípulos,e as duas vindas,das quais a primeira já se verificou de modo despojado,na voluntária humilhação,e a segunda será fúlgida com majestade real.

Não há, pois, motivo para admiração,quando João também em suas epistolas exprime sem rodeios o que foi um singular fruto de sua experiência,afirmando: “o que vimos com nossos 30.olhos e ouvimos com nossos ouvidos,o que nossas mãos apalparam,nós vo-lo escrevemos.” Diz assim ser não só testemunha ocular e diretamente auricular,mas também escritor dos fatos maravilhosos do Senhor narrados por sua ordem.

Os feitos de todos os apóstolos foram escritos num livro com dedicação ao excelentíssimo Teófilo, Lucas reuniu todos os eventos que se sucediam sob seus olhos,como se torna evidente,por ter ele omitido o martírio de Pedro e a viagem de Paulo da Cidade [Roma] à Espanha.

40. A quem quiser compreender, as epistolas de Paulo dizem por si mesma o nome do autor [Paulo],de qual lugar e por qual motivo foram escritas. A primeira de todas é a epístola aos Coríntios, para suprimir seitas cismáticas;em seguida vem a epístola aos Gálatas,para suprimir a circuncisão;com maior amplidão escreve aos Romanos,para mostrar que Cristo é a norma das Escrituras,seu termo e princípio.

Sobre cada uma dessas epístolas é necessário que nós detenhamos, porque o próprio bem-aventurado Paulo,seguindo a norma de João,seu 50.predecessor,escreve nominalmente só á sete Igrejas nessa ordem: “A primeira (epístola),aos Coríntios,a segunda aos Efésios,a terceira aos Filipenses, a quarta aos Colossenses, a quinta aos Gálatas, a sexta aos Tessalonicenses,a sétima aos Romanos;se bem que,com finalidade exortativa,tenha escrito uma segunda epístola tanto aos coríntios quanto aos tessalonicenses,a igreja,disseminada pelo mundo todo,considera-as como uma só. Também João,no Apocalipse,também escreve às sete Igrejas,tem a intenção de falar a todas.

60. Mas há também uma a Filemon, uma a Tito e duas a Timóteo,as quais,se bem que ditadas em momentos de afeto e afabilidade,foram reconhecidas como sagradas para a honra da Igreja Católica e para o ordenamento da disciplina eclesiástica. – sob o nome de Paulo existe uma carta endereçada aos Laodicenses,e outra,aos Alexandrinos (escritas com a mentalidade herética de Marcião) e mais outras,as quais a Igreja Católica não pode aceitar. Com efeito, não se pode misturar fel com mel.

Na Igreja Católica são ainda consideradas a epístola de Judas e as duas supramencionadas de João; assim também o livro da Sabedoria escrita pelos amigos de Salomão escrito em sua honra. Acolhemos também os Apocalipses, mas só os de João e Pedro,sendo porém que alguns de nós não querem que esse último seja lido na igreja.

Recentissimamente,em nossos dias Hermas na cidade de Roma,escreveu o Pastor,tendo assento na cátedra de Roma o bispo Pio,seu irmão. Por isso, ele deve, sim,ser lido;mas na Igreja não se deve deixá-lo ser ouvido pelo povo,nem entre os profetas – cujo número já está completo – nem entre 80.os apóstolos dos últimos tempos. Seja como for,de Arsinoo,de Valentino e de Milciades nada absolutamente aceitamos. Estes tiveram a audácia de compor um  novo livro  dos salmos para Marcião,juntamente com o asiático Basílides,fundador dos catafrígios...



[1] O texto do fragmento foi extraído de Revista Bíblica Brasileira. Anos 20-21.Nova Jerusalém.Fortaleza.2003-2004.Extra-Canônicos do Novo Testamento.Tomo I.Evangelhos.pgs.9-11.
[2] Para saber mais e profundamente,consulte Bruce Metzger: The Canon of the New Testament (Oxford:Clarendon Press, 1987); http://www.bibleresearcher.com/muratorian.html;

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