sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Para entender o Novo Testamento II

Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.

Mateus 3.11c

D.F.Izidro


É muito comum entre os leitores pentecostais da Sagrada Escritura se tomar o batismo com o Espírito Santo e com fogo aqui, no texto original autoV umaV baptisei en pneumati agiw kai puri (autos ymas baptisei en pneumati hagio kai pyri)[1], como coisas quase que sinônimas e/ou mesmo intercambiáveis. Em outros termos, muitos dizem, com base nesse texto, ser o batismo com o Espírito Santo um batismo com fogo e vice-versa.

João batista faz aqui uma justa e necessária distinção entre seu batismo, ritual e escatológico, e o batismo de Jesus de Nazaré. O batismo de João batista tinha a função de preparar Israel, que confessava seus pecados e dava sinais de arrependimento por meio do rito batismal, para a chegada do Cristo e de seu Reino (cf.Mt.3.3,6). Já o batismo de Jesus, referido por João batista aqui metaforicamente, também de natureza escatológica, mas não ritual, dava sinais da chegada desse mesmo Reino de Deus através da prometida dádiva do Espírito Santo aos justos e do derramamento do fogo do juízo de Deus sobre os ímpios.[2] Ambos constituem-se verdadeiros sinais da chegada da Era Messiânica, quando o Espírito Santo seria derramado sobre os justos (cf.Is.44.3-5;32.15;Ez.36.27;Joel 2.28-32) e o julgamento de Deus viria finalmente sobre os ímpios (cf.Is.1.31; 30.33; 66.24; Jr.7.20; Ml.4.1;Na.1.6).[3] Assim, o batismo com o Espírito Santo e o batismo com fogo são coisas distintas e se destinam a grupos também distintos. Ademais, a evidência mais simples de que o batismo com fogo refere-se ao julgamento escatológico de Deus, do qual João batista tinha plena convicção de que se daria naqueles dias (cf.Mt.3.7-12), é o contexto imediatamente anterior e posterior de Mateus 3.11,onde fica clara a alusão ao juízo de Deus representado pelo fogo que consome a palha (v.10) e a árvore infrutífera (v.12). O batismo com o Espírito Santo, portanto, dádiva da era messiânica aos justos, não deve ser identificado com o fogo[4] do juízo que há de vir sobre todos os que rejeitaram a Deus e ao seu Messias, como o fizeram os fariseus e saduceus dos tempos de Jesus e João Batista (cf.Mt.3.7). Portanto, a expressão batismo com fogo não existe no Novo Testamento relacionada à dádiva do Espírito Santo.[5]

Diante disso, nos sentimos gratos a Deus, em Cristo, pela dádiva messiânica do Espírito Santo que inaugura essa era do Reino de Deus e nossa nova existência em Cristo,como novas criaturas,movidas,então,pelo mesmo Espírito, para uma vida em Cristo e para Deus e vocacionados para proclamar no mundo o vindouro julgamento de Deus que virá sobre todos aqueles que rejeitam seu Reino e seu Cristo. Usufruamos, portanto das bênçãos espirituais e escatológicas em Cristo , vivendo para a glória de Deus, e anunciemos entre os homens o seu Evangelho. Soli Deo Gloria.


[1] Não obstante haja uma única preposição ( en ) nessa construção regendo Espírito Santo ( pneumati agiw ) e fogo ( puri ), a articulação temática e/ou contextual deixa claro que fogo aqui refere-se a julgamento escatológico e por isso deve,não obstante,ser distinguido do Espírito Santo , tratando-se,assim,de dois batismos e não apenas um. Warren Carter, O Evangelho de São Mateus:Comentário Sociopolítico e Religioso a partir das Margens,Paulus,2002,p.140,entende que ambos os termos, Espírito/fogo, têm sentido positivo e negativo,ou seja, representam juntos salvação e julgamento,como o indica sua construção grega já mencionada,e textos do Antigo Testamento que dão ambos os sentidos aos dois termos (cf.Espírito [salvação: EZ.36.25-28;39.29;Is.32.15;44.3;Jl.2.28-29;julgamento:Is.4.4;Jr.4.11-16;] fogo [purificação:Zc.13.9;Ml.3.1-3;castigo:Mt.3.10]). Apesar de ser interessante, não leva em conta a força do texto-contexto de Mt.3.1-12. O prof.Airton Williams, exegeta lingüístico-textual, argumenta ainda que João Batista em sua pregação abre duas oportunidades cuja recompensa se harmoniza perfeitamente com a distinção entre Espírito Santo,dádiva aos penitentes, e fogo,castigo aos impenitentes. Sem dúvida,a exegese não deve considerar apenas a gramática grega convencional,mas também,e parece ser esse o caso aqui,a exegese textual-contextual,uma leitura sincrônica e não meramente diacrônica. O Dr.Daniel B.Wallace, em sua importante e influente obra Greek Grammar Beyond the Basics:An Exegetical Syntax of the New Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1996), ressalta e argumenta bastante em relação a esse aspecto a ser considerado na exegese do Novo Testamento grego.
[2] Trata-se de duas realidades distintas, uma para o tempo presente e outra para o futuro, que João Batista,no entanto,pensava serem acontecimentos escatológicos simultâneos (cf.Mt.11.1-6).
[3] Para mais detalhes sobre o significado e função do batismo de João e sua declaração sobre o batismo de Jesus com o Espírito Santo e com fogo,veja LADD,G.E.Teologia do Novo Testamento.São Paulo: Hagnos, 2003.pgs.55-62.
[4] Dale C. Allison Jr., professor de exegese do Novo Testamento e Cristianismo Primitivo no Seminário Teológico de Pittsburgh, nos EUA, também observa que Mateus não usa o termo fogo para se referir ao Espírito Santo, em outras passagens de seu Evangelho, mas ao julgamento de Deus (cf.Mt.5.22;7.19;13.40;18.8-9;25.41;17.15 é a única ocorrência do termo fogo, no grego pur,sem relação com o juízo). Cf. MUDDIMAN, John; BARTON,John (Eds.).The Oxford Biblel Commentary:The Gospels.New York:Oxford University Press,2001.p.35.
[5] A referência em Atos 2.3 não identifica o Espírito Santo com fogo,pois apenas fala de “línguas repartidas, como [o grifo é meu] de fogo” (ARA)  não exatamente “de fogo”.

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