terça-feira, 16 de agosto de 2011

Romanos: O Evangelho de Paulo VII


Aspectos Literários da Epístola aos Romanos II:

Forma[1] Literária DE ROMANOS[2]


D.F.Izidro

        
1. O Envelope Epistolar de Romanos

         De fato, Romanos está elaborada como um longo discurso que, no entanto, se veste da forma epistolar contemporânea, cujo Pré-escrito (remetente, destinatário e saudação) e Conclusão, próprios de uma correspondência, são facilmente perceptíveis (cf.1.1-7;15.14-16.25).

         Romanos, portanto, é deverasmente uma Epístola, isto é, uma carta. Contudo, seu caráter de carta particular se mescla com características e tônicas bastante tratadícias, de modo que a epístola de Paulo aos Romanos é, do ponto de vista do gênero literário, um escrito verdadeiramente híbrido (misto), como o são as outras obras do apóstolo.[3]

2. Estrutura Literária de Romanos – Os Grandes Blocos

         Conforme a opinião da maioria dos exegetas, podem-se isolar na epístola aos Romanos, as seguintes divisões tradicionais:
1.      Rm.1.1-7: Pré-escrito Epistolar (Prólogo)
2.      Rm.1.8-15: Proêmio (“Contato”)
3.      Rm.1.16,17: Tese/Proposição
4.      Rm.1.18-8.39: Justificação pela Fé (Seção Dogmática)
5.      Rm.9-11: Situação e Salvação de Israel (Parêntese?)
6.      Rm.12.1-15.13: Questões Éticas (Seção Parenética)
7.      Rm.15.14-16.27: Conteúdo Pessoal (Epílogo)

·        Há poucas divergências sobre este plano global. Contudo, as dificuldades começam quando se trata de subdividir o texto no interior destes blocos e, de modo bem específico, no interior dos primeiros oito capítulos.

         O contratempo de todos esses planos temáticos é que eles repousam sobre a pré-compreensão que o exegeta já possui do texto. Assim, o exegeta pode inserir no texto idéias teológicas, literárias ou históricas que são suas, mas que não provêm absolutamente do texto em si mesmo. Isto nos leva a questão sobre se a busca de um plano temático lógico, afinal, não é apenas uma reivindicação inconveniente de espíritos científicos modernos, mas que nada tem haver com a forma literária intrínseca ao texto em si. Eruditos de Paulo argumentam que embora a pesquisa seja positiva, nem sempre conta com as informações adequadas (Quesnel,2004).

         É conveniente perguntarmos, pois, se os escritores antigos não redigiram segundo regras de composição consagradas pelo uso, ligadas à sua cultura ambiente, isto é, uma “convenção literária”.

         Sem dúvida, Paulo é um letrado; um intelectual apegado a duas grandes culturas de seu tempo: a judaica e a greco-romana. Não haveria, então, modos de composição convencionais aos quais ele teria cedido, os quais deveríamos descobrir mediante a análise dos textos?[4]


3. A
Retórica Greco-Romana

         Com Efeito, nas Epístolas mais tardias de Paulo, como Gálatas, Romanos e Colossenses, tem sido possível perceber a presença de estruturas literárias e estilísticas próprias da retórica greco-romana.[5]

         Dentro de uma vestimenta epistolar, o autor redige seu texto como um discurso, o qual é composto de forma submissa às regras de composição observadas em obras de referência como a Retórica de Aristóteles (IV a.C.) e a Instituição oratória de Quintiliano (I d.C.).

         Segundo a Retórica greco-romana, toda situação de discurso comporta a presença de três elementos: o orador (autor), o discurso (ou texto) e o auditório (os destinatários). Além disso, três fatores de persuasão contribuem para a qualidade do discurso: a autoridade do orador, a argumentação do discurso e as emoções que ele suscita no auditório. Ademais, três gêneros de eloqüência são distinguidos na retórica clássica: o gênero judiciário (diante dos tribunais), o deliberativo (nas assembléias políticas) e o demonstrativo (nas celebrações).

         É claro que a aplicação desses métodos à análise do texto bíblico não precisa ser demasiada. Mas é indubitavelmente útil saber que procedimentos o autor emprega a fim de persuadir seu leitor e como ele estrutura seu texto. O propósito, então, é usar o método a fim de discernir os indícios formais que permitem determinar o plano detalhado de uma epístola, o que os retóricos chamam de dispositio.

         Vejamos, a seguir, o modelo clássico de dispositio conforme é usada na retórica judiciária:

1. Exordium – introdução da exposição; prepara o auditório, predispondo-o positivamente para o orador. Ponto de contato.
2. Narratio – relato de fatos dos quais se fala ou escreve.
3. Propositio – o centro ou tese do discurso. Sintetiza e anuncia palavras e proposição que será desenvolvida subsequentemente.
4. Probatio – argumentação que contribui para apoiar as propositiones. Prova.
5. Digressio – eventualmente o autor deixa-se devagar a outras questões.
6. Peroratio – conclusão: retoma pontos desenvolvidos, apela à emoção do leitor ou auditório.

4. Romanos e a Retórica Greco-Romana

         Convém agora mencionar as contribuições que se podem extrair da retórica greco-romana para a compreensão da epístola aos Romanos. De fato, podemos identificar os mesmos elementos da dispositio retórica, no texto da Epístola, desde o seu início. Vejamos.

         Na epístola aos Romanos, como é típico em Paulo, o endereçamento epistolar é seguido de uma ação de graças (1.8-15), a qual cumpre o papel equivalente de um exordium da retórica clássica.[6]

         Imediatamente após essa ação de graças, seguem-se dois versículos nos quais os exegetas reconhecem a tese ou propositio que rege os capítulos subseqüentes (1.16,17).

         Essa tese geral de 1.16,17 é apresentada a seguir em duas partes: 1.18-3.20 e 3.21-4.25, as quais possuem também suas próprias propositiones (1.18,19:1.20-32;3.21,22:3.23-4.25).

         Na primeira parte (1.18-3.20), a propositio de 1.18,19 é seguida por uma narratio (1.20-32) e uma probatio (2.1-3.20).

         Na segunda parte (3.21-4.25), a propositio de 3.21,22 é seguida por uma narratio (3.23-26), depois pela probatio (3.27-4.25), uma argumentação escriturística com base na experiência de Abraão.

         A segunda grande seção de Romanos (5-8) começa com as propositiones do capítulo 5, as quais são desenvolvidas até o capítulo 9, o qual inicia um grande bloco de 9-11; depois segue-se a parte parenética do texto, a qual também se inicia por uma propositio a se desenvolvida subsequentemente (12.1,2-15.13).

         Segundo a crítica retórica, portanto, os textos devem ser interpretados à luz de seu contexto retórico, isto é, de conformidade com a função retórica que o texto desempenha em determinado contexto da epístola – o que alguns chamam de o status retórico do texto.

BIBLIOGRAFIA

BROADUS,David Hale.Introdução ao Estudo do Novo Testamento.Rio de Janeiro:Editora Juerp,1983.
CARSON,D.A.;MOO,Dougla;MORRIS,Leon.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo: Editora Vida Nova,1997.
CULLMANN,Oscar.A Formação do Novo Testamento.São Paulo:Editora Sinodal,1984.
GUNDRY,Robert H.Panorama do Novo Testamento.São Paulo:Vida Nova, 1978.
KUMMELL,W.G.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo: Paulus/Teológica,2003.
QUESNEL,Michel.Paulo e as Origens do Cristianismo.São Paulo:Paulinas, 2005.
TERRA,João E.M.Revista de Cultura Bíblica – Cartas de São Paulo.São Paulo:Edições Loyola,2000.
VIELHAUER,Phillip.História da Literatura Cristã Primitiva.São Paulo:Academia Cristã,2005.


[1] No texto anterior (“Gênero Literário de Romanos”) usamos o termo “Gênero” com a acepção de “tipo literário”; aqui usamos o termo “Forma” referindo-se à “Estrutura Literária” de um dado escrito.
[2] Fontes bibliográficas: Kümmel, W.G. (1982). Introdução ao novo testamento. Paulinas: São Paulo; Revista de Cultura Bíblica. Cartas de são paulo.n.95/96.2000.Loyola. São Paulo; Quesnel,Michel.Paulo e as origens do cristianismo.Paulinas:São Paulo. Fica, portanto, proibida a reprodução deste texto por qualquer meio gráfico sem a autorização prévia deste professor-autor.
[3] Cf.Kümmel,Werner G.Introdução ao novo testamento.p.318.
[4] Pesquisas nesta direção já foram empreendidas no que tange à retórica semítica e à retórica greco-romana, com fins a compreensão literária das epístolas paulinas. Estas leituras retóricas são definidas como “Novos Métodos de Análise Literária”.
[5] Um verdadeiro marco nesse campo é o comentário de Gálatas de Betz, H.D.Galatians; a Commentary on Paul’s Letter to the Churches in Galatia. Philadelphia,1979. Temos também em língua portuguesa um excelente trabalho do gênero em forma de artigo de autoria de José Roberto Cardoso: 1 Tessalonicenses – Epístola e Peça Retórica.publicado pela Fides Reformata:Mackenzie.Andrew Jumper.
[6] Todavia, esse exemplo nos mostra que Paulo não segue a retórica de modo servil. Assim, o uso da retórica para a compreensão das cartas paulinas deve ser feito com muita cautela, levando-se em consideração constante o uso peculiar que Paulo faz dela e de outros recursos disponíveis em seu tempo. Em outras palavras,deve-se estar atento a originalidade paulina na articulação de seus escritos.

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