terça-feira, 16 de agosto de 2011

Romanos: O Evangelho de Paulo VIII


Aspectos Literários da Epístola aos Romanos III

A INTEGRIDADE TEXTUAL DE ROMANOS

d.f.izidro


1. O PROBLEMA CRÍTICO-TEXTUAL

         A doxologia de Rm.16.25-27, a qual forma a conclusão da carta aos Romanos e que segue 16.23[1] não parece fazer parte do texto original de Romanos.

         Sua posição muda de lugar nos manuscritos gregos antigos: no P46, o mais antigo manuscrito das cartas de Paulo, 16.25-27 aparece entre 15.33 e 16.1; na maioria dos testemunhos do “Texto Hesychius” e em outros essa doxologia aparece depois de 16.23; no chamado “Texto Koine, entre 14.23 e 15.1; nos Códices A,P e em alguns manuscritos minúsculos aparece duas vezes: depois de 14.23 e depois de 15.23; Já nas versões latinas antigas, onde faltavam os capítulos 15 e 16, aparece depois de 14.23.

         Vejamos a seguir uma tábua das variações desta doxologia quanto a sua posição nos manuscritos antigos do NT (Kümmel,1982):

1.1-14.23;15.1-16.23;16.25-27[2] = P61 B C bo sa D d e f vg syp
1.1-14.23;16.25-27;15.1-16.23;16.25-27 = A P min
1.1-14.23;16.25-27;15.1-16.24 = R Syh
1.1-14.23;15.1-16.24 = F G g
1.1-14.23;16.24-27 = vg2089 Latim antigo segundo a lista de capítulos em Cipriano
1.1-15.33;16.25-27;16.1-23 = P46

         Essa doxologia (16.25-27) também falta totalmente em importantes representantes do chamado “Texto Ocidental”, como também em Marcião, em cujo texto de Romanos faltam também os capítulos 15 e 16 de Romanos.

         Havia no Apostolikon de Marcião uma forma mais breve de Romanos. Orígenes escreve sobre isso dizendo: “Marcião, que corrompeu as escrituras – tanto os evangelhos quanto as epístolas - , retirou por completo este trecho [16.25ss] da epístola em questão; e não fez somente isto, mas ainda, depois do lugar onde estava: ‘O que não vem da fé é pecado’ [14.23], ele eliminou tudo o que havia até o fim”.[3]

         Segundo Orígenes, Marcião removeu os capítulos 15 e 16[4]; sua epístola aos Romanos terminava em 14.23. O texto abreviado de Romanos de Marcião deve ter contaminado alguns manuscritos da igreja ocidental, os quais tinham apenas o texto até 14.23 seguido pela doxologia de 16.25-27. Não obstante, é indiscutível que 15.1-16.23 provém de Paulo; contudo, a doxologia pode ser um acréscimo posterior (Kümmel,1982).

         A posição “flutuante” (Hale,1983) desta doxologia é um indício claro de sua não-originalidade, para alguns estudiosos (Vielhauer,2005). Mas acresce-se também a isso, por alguns estudiosos, o provável fato de que o vocabulário e as concepções teológicas dessa doxologia não são paulinos.[5]

         Kümmel se manifesta a respeito dizendo que “contra a autoria paulina deste trecho pesam o estilo inusitado do conjunto e de expressões tais como aiónios theós, monos sophós theós,gnorízein to mystérion, mas sobretudo a idéia de que o evangelho seja “a revelação de um mistério envolvido em silêncio desde séculos eternos, agora, porém, manifestado pelos escritos proféticos e por disposição do Deus eterno[6]”.[7]

         Não obstante tantos aspectos desfavoráveis à sua autenticidade, alguns estudiosos aceitam a originalidade paulina dessa doxologia de Rm.16.25-27.[8]
         Deve-se considerar também que não obstante sua posição flutuante na tradição manuscrita, a doxologia de 16.25-27 de Romanos aparece nos manuscritos mais antigos das cartas de Paulo (P46 P61 a [Aleph] B C D e as melhores versões antigas).[9]

3. O PROBLEMA CRÍTICO-LITERÁRIO

         Romanos 16 faz parte do texto original de Romanos ou é uma interpolação posterior?

         Desde J.S.Semler (1767) e D.Shulz (1829) frequentemente surgiram dúvidas sobre se o capítulo 16 integra Romanos; contudo, não se negou a autoria paulina desse trecho.

         O primeiro argumento contra a originalidade de Rm.16 diz respeito à longa lista de saudações em 3-16; alega-se que Paulo não poderia ter conhecido tantos cristãos assim pelo nome em uma comunidade desconhecida por ele. Se diz que entre essas pessoas saudadas há muitas que se localizariam no Oriente, mais precisamente em Éfeso, e não em Roma, conforme dados de outros escritos neotestamentários (cf.3-5, ICo.16.19). Como explicar que todos estes que Paulo conhecera no Oriente agora já estão em Roma?

         Além disso, afirma-se que 15.33 já soa como uma saudação final e que no P46 a doxologia segue depois deste, indicando assim que o capítulo 16 não fazia parte da epístola.[10]

         Quanto à primeira objeção, não é difícil acreditar, com a grande acessibilidade de movimentação e de deslocamento que havia naquela época, que seria perfeitamente possível que todas essas pessoas saudadas por Paulo tenham imigrado do Oriente para Roma.[11]

         Quanto ao teor conclusivo de 15.33, em contra-senso com 16.20, deve-se lembrar que votos finais antes do final propriamente dito não são impossíveis em Paulo (cf.ITs.3.11-13;Fp.4.9).

         E no que diz respeito a posição da doxologia (sinal de conclusão) depois de 15.33 no P46, como indício do final da epístola neste trecho, deve-se lembrar também que neste mesmo papiro se contém o capítulo 16, de modo que tal papiro não dá evidência de um texto original de Romanos até 15.33. Não há nenhum manuscrito grego preservado que não contenham o capítulo 16 de Romanos. Portanto, não se pode sustentar com base na tradição manuscrita ou mesmo na crítica textual que o texto original de Romanos se findava em 15.33.

         A melhor conclusão sobre a Integridade textual de Romanos, portanto, é a de que seu texto original, provavelmente, se expressa em 1.1-16.27, com uma provável exceção de 16.24, como já vimos.[12]

BIBLIOGRAFIA

BROADUS,David Hale.Introdução ao Estudo do Novo Testamento.Rio de Janeiro:Editora Juerp,1983.
CARSON,D.A.;MOO,Dougla;MORRIS,Leon.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo:Editora Vida Nova,1997.
CULLMANN,Oscar.A Formação do Novo Testamento.São Paulo:Editora Sinodal,1984.
GUNDRY,Robert H.Panorama do Novo Testamento.São Paulo:Vida Nova, 1978.
KUMMELL,W.G.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo: Paulus/Teológica,2003.
QUESNEL,Michel.Paulo e as Origens do Cristianismo.São Paulo:Paulinas, 2005.
TERRA,João E.M.Revista de Cultura Bíblica – Cartas de São Paulo.São Paulo:Edições Loyola,2000.
VIELHAUER,Phillip.História da Literatura Cristã Primitiva.São Paulo:Academia Cristã,2005.


[1] Rm.16.24 não deve ser autêntico: Além de repetir o final do versículo 20, não aparece nos testemunhos manuscritos mais antigos. Cf. Saião, Luiz.Novo testamento trilingue.Vida Nova: São Paulo.pg.454.
[2] O grifo é meu.
[3] Citado por Kümmel,op.cit.pg.408.
[4] Estudiosos como D.de Bruyne e P.Corssen são céticos quanto a afirmação de Orígenes (vd.Vielhauer,op.cit.pg.219).
[5] Carson, Moo e Morris,op.cit.pg.277, lembram ainda que o fechamento de cartas com um doxologia não tem paralelo nas cartas de Paulo.
[6] Kümmel,op.cit.,pg.411. Este estudioso acredita, então, que essa doxologia fora criada para servir de conclusão logo em seguida a 14.23.
[7] Cf.Rm.1.1-3.
[8] Os estudiosos Carson, Moo e Morris, Introdução ao novo testamento,pg.277, assim se pronunciam sobre a questão: “Mas esses argumentos não são conclusivos, e acreditamos que é provável que 16.25-27 foi a conclusão que o próprio Paulo deu à sua carta.”.
[9] A questão, portanto, diante dos argumentos não conclusivos de ambos os lados, está aberta.
[10] Para explicar a origem do capítulo 16 em Romanos, Vielhauer sustenta a hipótese de que “Romanos existiu desde o início em duas versões, a versão destinada a Roma (1-15) e a cópia para Éfeso ampliada com o capítulo 16. A versão romana foi abreviada (por Marcião ou já antes dele), cortando o capítulo 15, mas continuou existindo também em seu volume original. Depois aconteceu a anexação, primeiro ao texto abreviado de Marcião (depois de 14.23), depois ao texto romano íntegro (depois de 15.33), e ambas as formas foram divulgadas. De Éfeso se divulgou a forma de lá (1-16, naturalmente sem a doxologia). No Egito do séc.III as duas formas foram combinadas de tal forma que se anexou ao texto romano com a doxologia o que havia mais no texto de Éfeso (16.1-23): Papiro 46. Naturalmente impôs-se o texto mais longo, por se considerado mais completo.”op.cit.,pg.221.
[11]  Priscila e Áquila, por exemplo, podem ter feito esta viagem de retorno (cf.At.18.2,3;Rm.16.3-5).
[12] Posição de alguns estudiosos sobre a integridade textual de romanos: Vielhauer: doxologia (16.25-27) apaulina, interpolação posterior; cap.16, interpolação paulina efesina; KÜMMEL: doxologia (16.25-27) apaulina,interpolação posterior; cap.16,texto original paulino; HALE: doxologia (16.25-27) e cap.16, paulinos; CARSON,MOO & MORRIS: doxologia (16.25-27) e cap.16, provavelmente paulinos.

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