EHRMAN,Bart D.O que Jesus disse?O que Jesus não disse?.São Paulo:Prestígio Editorial,2006.245 pgs.
No ano de 2006,a editora Prestígio lançou aqui no Brasil o livro que se tornara rapidamente Best Seller nos Estados Unidos, o que Jesus disse?O que Jesus não disse?, em inglês Misquoting Jesus:The Story Behind Who Changed the Bible and Why,de uma das maiores autoridades em crítica textual do Novo Testamento na America do Norte,doutor Bart D.Ehrman. Não obstante a contribuição que traz ao público leigo, apresentando-lhe uma excelente introdução à complexa matéria de crítica textual em linguagem acessível, este livro do Dr.Ehrman sofre de muita parcialidade e certa imperícia no que tange às questões que envolvem o estabelecimento do texto original do Novo Testamento. Uma excelente resenha desssa obra de Ehrman foi apresentada por um não menos importante especialista e autoridade em crítica textual e manuscritologia do Novo Testamento, Dr.Daniel B.Wallace,do Seminário Teológico de Dallas,nos Estados Unidos. Disponho a seguir a tradução em português dessa referida avaliação crítica feito por Daniel Wallace do livro de Bart D.Ehrman.
O Evangelho segundo Bart
Uma revisão de Misquoting Jesus: The Story Behind Who Changed the Bible and Why, de Bart D. Ehrman
Para a maioria dos estudantes do Novo Testamento, um livro sobre crítica textual é uma real chatice. Os detalhes tediosos não são matéria para um bestseller. Mas desde a publicação em 1 de Novembro de 2005, Misquoting Jesus tem circulado mais e mais alto até o pico de vendas da Amazon. E já que Bart Ehrman, um dos líderes da América do Norte em crítica textual, apareceu em dois programas da NPR (o Diane Rehm Show e Fresh Air com Terry Gross) – ambos em um espaço de uma semana – ele tem estado entre os primeiro cinquenta mais vendidos na Amazon. Em menos de três meses, mais de 100000 cópias foram vendidas. Quando a entrevista de Neely Tucker a Ehrman no The Washington Post apareceu em 5 de Março deste ano as vendas do livro de Ehrman subiram ainda mais. O sr. Tucker falou de Ehrman como um “estudioso fundamentalista que vasculhou tanto as orígens do Cristianismo que ele perdeu sua fé.” Nove dias depois, Ehrman era a celebridade convidada no The Daily Show de Jon Stewart. Stewart disse que vendo a Bíblia como algo que foi deliberadamente corrompida por escribas ortodoxos fez da Bíblia “mais interessante… quase mais divina em alguns aspectos.” Stewart concluiu a entrevista declarando, “Eu realmente te parabenizo. É um baita de um livro!” Em menos de 48 horas, Misquoting Jesus chegou ao topo da Amazon, ainda que somente por um curto período. Dois meses depois e ainda está voando alto, ficando entre os 25. Ele “se tornou um de meus bestsellers mais improváveis do ano.” Nada mal para um tomo acadêmico em uma matéria “chata.
Porque todo o alvoroço? Bem, por uma coisa, Jesus vende. Mas não o Jesus da Bíblia. O Jesus que vende é aquele que é saboroso ao homem pós-moderno. E com um livro entitulado Misquoting Jesus: The Story Behind Who Changed the Bible and Why, uma audiência disponível foi criada através da esperança que haveria novas evidências que o Jesus bíblico é uma imaginação. Ironicamente, quase nenhuma das variantes que Ehrman discute envolve palavras de Jesus. O livro simplesmente não entrega o que o título promete. Ehrman preferiu Lost in Transmission, mas a publicadora achou que tal livro seria percebido pelo pessoal de Barnes e Noble como relacionado a corridas de stock car! Mesmo que Ehrman não tenha escolhido o título resultante, ele foi uma jogada de marketing.
Mais importante, este livro vende porque ele apela ao cético que quer razões para não acreditar, que considera a Bíblia um livro de mitos. É uma coisa dizer que as histórias na Bíblia são lenda; outra bem diferente é dizer que muitas delas foram adicionadas séculos depois. Apesar de Ehrman não dizer bem isto, ele deixa a impressão que a forma original do Novo Testamento era bem diferente dos manuscritos que nós lemos agora.
De acordo com Ehrman, este é o primeiro livro escrito sobre a crítica textual do Novo Testamento – uma disciplina que tem circulado por quase 300 anos – para uma audiência leiga. Aparentemente ele não conta os vários livros escritos por advogados da KJV Only, ou os livros que interagem com eles. Parece que Ehrman quer dizer que o seu é o primeiro livro sobre a disciplina geral do criticismo textual do Novo Testamento escrito por um crítico textual de boa fé para leitores leigos. Isto é muito provavelmente verdade.
Crítica Textual 101
Misquoting Jesus em grande parte é simplesmente crítica textual 101 do Novo Testamento. Há sete capítulos com uma introdução e conclusão. A maior parte do livro (capítulos 1–4) é basicamente uma introdução popular ao campo, e uma muito boa nisto. Ele introduz os leitores ao fascinante mundo da atividade dos escribas, o processo de canonização, e textos impressos do Novo Testamento Grego. Ele discute o método básico de ecleticismo racional. Tudo através destes quatro capítulos, vários fragmentos – leituras variantes, citações dos Pais, debates entre Protestantes e Católicos – são discutidos, familiarizando o leitor com alguns dos desafios do secreto campo da crítica textual.
Capítulo 1 (“Os princípios das Escrituras Cristãs”) endereça os motivos pelos quais os livros do Novo Testamento foram escritos, como eles foram recebidos e quando eles foram aceitos como Escritura.
Capítulo 2 (“Os copistas e os Primeiros Escritos Cristãos”) lida com as mudanças do texto feitas pelos escribas, tanto intencionais como não intencionais. Aqui Ehrman mistura informações da crítica textual padrão com suas própria interpretação, uma interpretação que de nenhuma forma é compartilhada por todos os críticos textuais, nem mesmo a maioria deles. Em essência, ele pinta uma figura sem vida da atividade dos escribas, deixando o descuidado leitor assumir que nós não temos nenhuma chance de recuperar as palavras originais do Novo Testamento.
Capítulo 3 (“Textos do Novo Testamento”) e capítulo 4 (“A Questão das Origens”) nos leva de Erasmo e do primeiro Novo Testamento Grego ao texto de Westcott e Hort. Discutidos são os maiores estudiosos dos séculos dezesseis até dezenove. Este é o material mais objetivo do livro e fornece uma leitura fascinante. Mas mesmo aqui, Ehrman injeta seu próprio ponto de vista por sua seleção de material. Por exemplo, ao discutir o papel que Bengel teve na história da crítica textual (109-112), Ehrman dá a este piedoso conservador alemão alto valor como estudioso: ele era um “extremamente cuidadoso intérprete do texto bíblico” (109); “Bengel estudou tudo intensamente” (111). Ehrman fala sobre as importantes descobertas de Bengel na crítica textual (111-12), mas não menciona que ele foi o primeiro importante estudioso a articular a doutrina da ortodoxia das variantes. Esta é uma omissão curiosa porque, de um lado, Ehrman está bem ciente deste fato, pois na quarta edição de The Text of the New Testament, agora por Bruce Metzger e Bart Ehrman, que apareceu alguns meses antes de Misquoting Jesus, a nota dos autores, “Com energia e perseverança característica, [Bengel] procurou todas as edições, manuscritos e antigas traduções disponíveis a ele. Depois de extenso estudo, ele chegou à conclusão que as leituras variantes eram menores em número que poderia ter sido esperado e que elas não ameaçam nenhum artigo da doutrina evangélica.” De outro lado, Ehrman menciona J. J. Wettstein, um contemporâneo de Bengel, que, na tenra idade de vinte anos assumiu que estas variantes “podem não ter nenhum efeito na confiabilidade ou integridade das Escrituras,” mas que anos depois, após cuidadoso estudo do texto, Wettstein mudou suas visões depois que ele “começou a pensar seriamente sobre suas próprias convicções teológicas.” Alguém é tentado a pensar que Ehrman possa ver um paralelo entre ele mesmo e Wettstein: como Wettstein, Ehrman começou como um evangélico quando no colégio, mas mudou suas visões sobre o texto e teologia em seus anos mais maduros. Mas o modelo que Wettstein fornece – um sóbrio estudioso que chega a conclusões diferentes – está calmamente ultrapassado.
O que também é curiosamente deixado de fora são as motivações de Tischendorf para seu incansável trabalho de descobrir manuscritos e de publicar uma edição crítica do texto grego com um aparato completo. Tischendorf é reconhecido amplamente como o mais ativo crítico textual de todos os tempos. E o que o motivou foi o desejo de recuperar a forma mais antiga do texto – um texto que ele acreditaria vindicar a ortodoxia cristã contra o ceticismo hegeliano de F. C. Baur e seus seguidores. Nada disto é mencionado em Misquoting Jesus.
Além da seletividade a respeito de estudiosos e suas opiniões, estes quatro capítulos envolvem duas curiosas omissões. Primeiro, há quase nenhuma discussão sobre os vários manuscritos. É quase como se a evidência externa fosse um não-inicializador para Ehrman. Mais, assim como ele ilumina seus leitores leigos sobre a disciplina, o fato de que ele não dá a eles os detalhes sobre quais manuscritos são mais confiáveis, velhos, etc., o permite controlar o fluxo de informações. Repetidamente eu fui frustado em minha leitura do livro porque ele falou de várias leituras sem dar muitas, se alguma, das informações que dão suporte a elas. Mesmo em seu terceiro capítulo – “Textos do Novo Testamento: Edições, Manuscritos, e Diferenças” – há discussão mínima dos manuscritos, e nenhum dos códices individuais. Nas duas páginas que lidam especificamente com os manuscritos, Ehrman fala somente sobre seus números, natureza e variantes.
Segundo, Ehrman representa exageradamente a qualidade das variantes enquanto sublinha sua quantidade. Ele diz, “Há mais variações entre nossos manuscritos que número de palavras no Novo Testamento.” Em outro lugar ele declara que o número de variações é tão alto quanto 400,000. Isto é bem verdade, mas por si só é enganoso. Qualquer um que ensine crítica textual do Novo Testamento sabe que este fato é somente parte da figura e que, se deixado balançando diante do leitor sem explicação, é uma visão distorcida. Uma vez que é revelado que a grande maioria destas variantes são inconsequentes – envolvendo diferenças de escrita que sequer podem ser traduzidas, artigos com nomes próprios, mudança na ordem das palavras e coisas parecidas – e que somente uma pequena minoria das variantes alteram o significado do texto, toda a figura começa a ser focada. De fato, somente cerca de 1% das variantes textuais são tanto significativas e viáveis. A impressão que Ehrman algumas vezes dá através do livro – e repete em entrevistas – é a total incerteza sobre o palavreado original, uma visão que é de longe mais radical do que a que ele realmente abraça.
Nós podemos ilustrar as coisas desta forma. Há aproximadamente 138,000 palavras no Novo Testamento grego. As variantes nos manuscritos, versões e Pais constituem quase três vezes este número. A primeira vista, esta é uma quantidade devastadora. Mas à luz das possibilidades, é na verdade bem trivial. Por exemplo, considere as formas que o grego pode dizer “Jesus ama Paulo”:
2. IhsouV agapa ton Paulon
3. O IhsouV agapa Paulon
4. O IhsouV agapa ton Paulon
5. Paulon IhsouV agapa
6. ton Paulon IhsouV agapa
7. Paulon o IhsouV agapa
8. ton Paulon o IhsouV agapa
9. agapa IhsouV Paulon
10. agapa IhsouV ton Paulon
11. agapa o IhsouV ton Paulon
12. agapa o IhsouV ton Paulon
13. agapa Paulon IhsouV
14. agapa ton Paulon IhsouV
15. agapa Paulon o IhsouV
16. agapa ton Paulon o IhsouV
Estas variações representam apenas uma pequena fração das possibilidades. Se a sentença usar filei ao invés de agapa, por exemplo, ou se ela começar com uma conjunção tal qual den,kain, ou men, as potenciais variações crescerão exponencialmente. Fatore em sinônimos (tais quais kurioV por IhsouV), diferenças de escrita, e palavras adicionais (tais quais CristoV, ou agioV com PauloV) e a lista de potenciais variantes que não afetam a essência da declaração cresce às centenas. Se uma simples sentença como “Jesus ama Paulo” pode ter tantas variações insignificantes, meros 400000 variantes entre os manuscritos do Novo Testamento parece quase uma quantidade insignificante. Mas estas críticas são ninharias mínimas. Não há nada realmente catastrófico nos primeiros quatro capítulos do livro. Pelo contrário, é na introdução que vemos os motivos de Ehrman, e os últimos três capítulos revelam sua agenda. Nestes lugares ele é especialmente provocativo e dado a declarações exageradas e non sequitur. O resto de nossa revisão vai focar neste material.
Bases Evangélicas de Ehrman
Na introdução, Ehrman fala de suas bases evangélicas (três anos na Moody Bible Institute, dois anos na Wheaton College onde ele aprendeu grego pela primeira vez), seguido por um M.Div. e Ph.D. no Seminário de Princeton. Foi em Princeton que Ehrman começou a rejeitar parte de sua formação evangélica, especialmente quando ele lutava com os detalhes do texto do Novo Testamento. Ele nota que o estudo dos manuscritos do Novo Testamento crescentemente criou dúvidas em sua mente: “Eu me mantive voltando para minha pergunta básica: como nos ajudaria dizer que a Bíblia é a inerrante palavra de Deus se de fato não temos as palavras que Deus inerrantemente inspirou, mas somente as palavras copiadas por escribas – algumas vezes corretamente e algumas vezes (muitas vezes!) incorretamente?” Esta é uma pergunta excelente. E foi proeminentemente tratado com destaque em Misquoting Jesus, sendo repetido por todo o livro. Infelizmente, Ehrman não gasta muito tempo lutando com ela diretamente. Enquanto ele estava no programa de mestrado, ele pegou um curso sobre o Evangelho de Marcos do professor Cullen Story. Para seu trabalho de conclusão, ele escreveu sobre o problema de Jesus falando da entrada de Davi no templo “quando Abiatar era o sumo-sacerdote” (Marcos 2:26). A bem conhecida crux é problemática para a inerrância porque, de acordo com 1 Samuel 21, o tempo que Davi entrou no tempo era de fato quando o pai de Abiatar, Ahimeleque, foi sacerdote. Mas Ehrman estava determinado a trabalhar no que parecia ser o significado claro do texto, para salvar a inerrância. Ehrman diz a seus leitores que o comentário do professor Story sobre o tema “o atingiu em cheio. Ele escreveu, ‘Talvez Marcos apenas tenha cometido um erro.’” Este foi um momento decisivo na jornada espiritual de Ehrman. Quando ele concluiu que Marcos pode ter errado, “as comportas abriram.” Ele começou a questionar a confiabilidade histórica de muitos textos bíblicos, resultando em uma “mudança sísmica” em seu entendimento da Bíblia. “A Bíblia,” nota Ehrman, “começou a parecer para mim como um livro bem humano… Este era um livro humano do início ao fim.” O que me chama mais a atenção em tudo isto é como Ehrman amarrou a inerrância com a geral confiabilidade histórica da Bíblia. Foi uma proposição de “ou tudo ou nada” para ele. Ele ainda parece ver as coisas em termos de preto e branco, pois ele conclui seu testemunho com estas palavras: “É uma mudança radical de ler a Bíblia como um esquema inerrante para nossa fé, vida e futuro para vê-la como um livro bem humano… Esta é a mudança no meu próprio pensamento que terminei fazendo, e ao qual agora estou entregue completamente.” Parece então não haver meio termo em sua visão do texto. Em resumo, Ehrman parece ter mantido o que eu chamaria de ‘uma visão dominó da doutrina’. Quando uma cai, elas todas caem. Retornaremos a esta matéria em nossa conclusão. A Corrupção Ortodoxa das Escrituras
O coração do livro são os capítulos 5, 6, e 7. Aqui Ehrman especificamente discute o resultado das descobertas em seu maior trabalho, The Orthodox Corruption of Scripture. Seu capítulo de conclusão se aproxima do ponto que ele está direcionando nesta seção: “Seria errado… dizer – como pessoas geralmente fazem – que as mudanças em nosso texto não possuem impacto real no que os textos significam ou nas conclusões teológicas que alguém obtém deles. Temos visto, de fato, que o oposto é o caso.” Nós pausamos para observar dois pontos teológicos fundamentais sendo enfatizadas em Misquoting Jesus: primeiro, como mencionamos antes, é irrelevante falar sobre inerrância Bíblica porque não temos mais os documentos originais; segundo, as variantes nos manuscritos mudam a teologia básica do Novo Testamento.
A falácia lógica em negar um Autógrafo inerrante
Apesar de Ehrman não desenvolver realmente este primeiro argumento, ele merece uma resposta. Precisamos começar fazendo uma distinção cuidadosa entre inspiração e inerrância verbal. Inspiração está relacionada ao palavreado da Bíblia, enquanto inerrância está relacionada à verdade da declaração. Evangélicos americanos geralmente acreditam que somente os textos originais são inspirados. Isto não quer dizer, contudo, que cópias não podem ser inerrantes. De fato, declarações que não mantém nenhuma relação com as Escrituras podem ser inerrantes. Se eu disser, “Estou casado e tenho quatro filhos, dois cães e um gato”, é uma declaração inerrante. Não é inspirada, nem tanto relacionada com as Escrituras, mas é verdade. Similarmente, se Paulo diz “nós temos paz” ou “que tenhamos paz” em Romanos 5:1, ambas declarações são verdadeiras (apesar de que cada uma em um sentido diferente), apesar de somente uma é inspirada. Manter esta distinção em mente enquanto considerar as variantes textuais do Novo Testamento deve deixar claro o assunto.
Não importando o que alguém pensa sobre a doutrina da inerrância, o argumento contra ela com base em desconhecidos autógrafos é logicamente falacioso. Isto é assim por duas razões. Primeiro, nós temos o texto do Novo Testamento em algum lugar nos manuscritos. Não há necessidade de conjecturas, exceto talvez em um ou dois lugares. Segundo, o texto que temos em qualquer variante viável não é mais problema para a inerrância do que outros problemas onde o texto é seguro. Agora, para ter certeza, há alguns desafios nas variantes textuais para a inerrância. Isto não é negado. Mas há simplesmente maiores peixes a fritar quando se está tratando de pontos controversos que a inerrância tem que encarar. Assim, se emenda conjectural é desnecessária, e se nenhuma variante viável registra mais que um ponto no radar chamado ‘problemas para inerrância’, então não ter os originais é um ponto bem humorado para esta doutrina. Não é um ponto bem humorado para a inspiração verbal, é claro, mas é para a inerrância. Doutrinas cardeais afetadas por variantes textuais?
O segundo ponto teológico de Ehrman ocupa o centro do palco em seu livro. Da mesma forma ocupará o resto desta revisão.
Nos capítulos cinco e seis, Ehrman discute várias passagens que envolvem variantes que alegadamente afetam o centro das crenças teológicas. Ele resume suas descobertas no capítulo de conclusão como se segue:
Em alguns exemplos, o próprio significado do texto está em questão, dependendo de como alguém resolve um problema textual: Era Jesus um homem nervoso [Marcos 1:41]? Era ele completamente ignorado na face da morte [Hebreus 2:8-9]? Ele disse a seus discípulos que eles poderiam tomar veneno sem se ferir [Marcos 16:9-20]? Ele livrou uma adúltera da morte com nada mais que um brando aviso [João 7:53-8:11]? É a doutrina da Trindade explicitamente ensinada no Novo Testamento [1 João 5:7-8]? É Jesus realmente chamado de “o único Deus” ali [João 1:18]? O Novo Testamento indica que mesmo o próprio Filho de Deus não pode saber quando o final virá [Mateus 24:36]? As questões continuam, e todas elas estão relacionadas a como alguém resolve as dificuldades na tradição do manuscrito da forma que ele veio a nós. É aparente que tal sumário intenciona focar nas maiores passagens problemáticas que Ehrman descobriu. Assim, seguindo o bem-usado princípio rabínico de a maiore ad minus, ou argumentando do maior para o menor, nós vamos endereçar apenas estes sete textos. O problema com passagens problemáticas
Três destas passagens tem sido consideradas inautênticas pela maioria dos estudiosos do Novo Testamento – incluindo muitos estudiosos do Novo Testamento evangélicos – por bem mais que um século (Marcos 16:9-20; João 7:53-8:11; e 1 João 5:7-8). Ainda assim Ehrman escreve como se a amputação de tais textos mexeria com nossas convicções teológicas. Isto dificilmente é o caso. (Nós vamos suspender a discussão de uma destas passagens, 1 João 5:7-8, até o final.) Os últimos doze versos de Marcos e o Pericope Adulterae
Ao mesmo tempo, Ehrman implícitamente levanta uma questão válida. Uma olhada em virtualmente cada Bíblia Inglesa hoje revela que o final longo de Marcos e o pericope adulterae são encontrados em seus lugares normais. Assim, não somente a KJV e NKJV possuem estas passagens (como seria de se esperar), mas também a ASV, RSV, NRSV, NIV, TNIV, NASB, ESV, TEV, NAB, NJB, e NET. Ainda que os estudiosos que produzem estas traduções, de longe, não assinam a autenticidade de tais textos. As razões são bastante simples: eles não aparecem nos mais antigos e melhores manuscritos e sua evidência interna é decididamente contra sua autenticidade. Porque eles ainda estão nestas Bíblias?
A resposta a esta questão varia. Para alguns, eles parecem estar na Bíblia por causa de uma tradição de timidez. Há aparentemente boas razões para isto. A análise racional é tipicamente que ninguém comprará uma versão particular se ela não trouxer estas famosas passagens. E se eles não compram a versão, ela não pode influenciar cristãos. Algumas traduções incluiram o pericope adulterae por causa do mandato das autoridades papais declarando a passagem ser Escritura. A NEB/REB a inclui no final dos Evangelhos, ao invés de seu lugar tradicional. A TNIV e NET possuem ambas passagens em fontes pequenas entre chaves. Caixa baixa é claro dificulta a leitura do púlpito. A NET adiciona uma longa discussão sobre a inautenticidade dos versos. A maioria das traduções mencionam que estes pericopae não são encontrados nos manuscritos mais antigos, mas tal comentário é raramente notado por leitores hoje. Como sabemos disto? Das ondas de choque produzidas pelo livro de Ehrman, nas entrevistas na radio, TV, e jornal com Ehrman, a história da mulher pega em adultério é quase sempre o primeiro texto trazido como inautêntico, e a menção é calculada para alarmar a audiência.
Deixar o público saber dos segredos de estudiosos sobre o texto bíblico não é novidade. Edward Gibbon, em seu bestseller de seis volumes, The Decline and Fall of the Roman Empire, notou que o Comma Johanneum, ou fórmula Trinitária de 1 João 5:7-8 não era autêntica. Isto escandalizou o público britânico do século dezoito, pois sua única Bíblia era a Versão Autorizada, que continha a fórmula. “Outros fizeram [isto] antes dele, mas somente em círculos acadêmicos e de estudos. Gibbon o fez diante do público geral, em linguagem destinada a ofensa.” Ainda no tempo que a Versão Revisada apareceu em 1885, nenhum traço da Comma foi encontrada nela. Hoje o texto não é impresso em traduções modernas, e ela dificilmente levantará uma sobrancelha.
Ehrman seguiu no trem de Gibbon ao expor ao público a inautenticidade de Marcos 16:9-20 e João 7:53-8:11. O problema aqui, no entanto, é um pouco diferente. Forte bagagem emocional é especialmente ligada ao último texto. Por anos, foi minha passagem favorita que não estava na Bíblia. Eu até mesmo pregaria sobre ela como uma verdadeira narrativa histórica, mesmo depois de rejeitar sua literária/canônica autenticidade. E nós todos conhecemos pregadores que não podem simplesmente desistir dela, mesmo apesar deles também terem dúvidas sobre ela. Mas há dois problemas com esta abordagem. Primeiro, em termos de popularidade entre estes dois textos, João 8 é esmagadoramente favorito, ainda que suas credenciais externas são significantemente piores que as de Marcos 16. O mesmo pregador que declara a passagem de Marcos inautêntica exalta as virtudes de João 8. Esta inconsistência é intimidadora. Algo está errado em nossos seminários teológicos quando se permite que os sentimentos de alguém sejam os árbitros dos problemas textuais. Segundo, o pericope adulterae é provavelmente sequer historicamente verdadeiro. Foi provavelmente uma história unida de dois relatos diferentes. Assim, a desculpa que alguém pode proclamá-lo porque a história realmente aconteceu não é aparentemente válida.
Em retrospecto, mantendo estas duas pericopae em nossas Bíblia ao invés de relegá-los às notas de rodapé parece ter sido uma bomba só esperando para explodir. Tudo que Ehrman fez foi ascender o pavio. Uma lição que nós devemos aprender de Misquoting Jesus é que aqueles no ministério precisam diminuir a distância entre a igreja e a academia. Nós temos que educar os fiéis. Ao invés de isolar os leigos da crítica erudita, nós precisamos protegê-los. Eles precisam de estar preparados para a barragem, porque ela está vindo. O silenciamento intencional da igreja para o bem de preencher mais bancos irá finalmente direcionar para a derrota de Cristo. Ehrman deve ser agradecido por nos dar um alerta para despertar.
Isto não é para dizer que tudo que Ehrman escreveu neste livro é deste tipo. Mas estas três passagens são. Novamente, nós precisamos enfatizar: estes textos não mudam nenhuma doutrina fundamental, nenhuma doutrina central. Estudiosos evangélicos os abandonaram há mais de um século sem incomodar um jota de ortodoxia.
Os restantes quatro problemas textuais, contudo, contam uma história diferente. Ehrman apela ou para uma interpretação ou para evidência que a maioria dos estudiosos consideram, no máximo, duvidosa.
Hebreus 2:8-9
Traduções são grosseiramente unidas em como elas tratam Hebreus 2:9b. O da NET é representativo: “pela graça de Deus ele experimentou a morte da parte de todos.” Ehrman sugere que “pela graça de Deus”— cariti qeou – é uma leitura secundária. Pelo contrário, ele argumenta que “apartado de Deus,” ou cwriV qeou, é o que o autor escreveu originalmente. Há, no entanto, três manuscritos que possuem esta leitura, todos do século dez ou posterior. Codex 1739, contudo, é um deles, e é uma cópia de um manuscrito mais antigo e decente. cwriV qeou também é discutido em vários pais, um manuscrito da Vulgata, e algumas cópias da Peshitta. Muitos estudiosos dispensariam tal evidência insignificante sem muito alvoroço. Se eles se derem ao trabalho de tratar a evidência interna de alguma forma, é porque mesmo que ele tenha um pobre pedigree, cwriV qeou é a leitura mais difícil e assim deve requerir alguma explicação, já que escribas tendem a deixar o palavreado do texto mais simples. Da mesma forma, algo precisa explicar as várias citações patrísticas. Mas se uma leitura é uma mudança não intencional, o canon da leitura mais difícil é inválida. A leitura mais difícil seria uma leitura sem sentido, algo que não pode ser criado de propósito. Apesar de cwriV ser aparentemente a leitura mais difícil, ela pode ser explicada como uma alteração acidental. É mais provável devido tanto a um ‘lapso dos escribas’ onde um copista inatento confundiu cwriV por cariti, ou ‘uma interpretação marginal’ onde um escriva estava pensando em 1 Coríntios 15:27 onde, como Hebreus 2:8, cita o Salmo 8:6 em referência à sujeição de Deus de todas as coisas a Cristo. Sem entrar nos detalhes da defesa de Ehrman de cwriV, nós simplesmente desejamos notar quatro coisas. Primeiro, ele destaca demais seu caso por assumir que sua visão é certamente correta. Depois de três páginas de discussão deste texto em seu Orthodox Corruption of Scripture, ele pronuncia o veredito: “A evidência externa porém é que Hebreus 2:9 deve originalmente dizer que Jesus morreu ‘apartado de Deus.’” Ele ainda está vendo as coisas em termos de preto e branco. Segundo, os pontos de vista crítico-textuais de Ehrman estão ficando perigosamente próximos de um rigoroso ecleticismo. A informação externa parece significar menos e menos para ele já que ele parece querer ver uma corrupção teológica no texto. Terceiro, mesmo apesar dele ter certeza em seu veredito, seu mentor, Bruce Metzger, não está. Um ano após Orthodox Corruption ser publicado, a segunda edição da Textual Commentary de Metzger apareceu. O comitê da UBS ainda dá a mão para a leitura cariti qeou, mas desta vez elevando sua convicção para uma categoria ‘A’. Finalmente, mesmo assumindo que cwriV qeou é a leitura correta aqui, Ehrman não revelou um caso que esta variante “afeta a interpretação de um livro inteiro do Novo Testamento.” Ele argumenta que “a leitura menos atestada é também mais consistente com a teologia de Hebreus.” Ele adiciona que o autor “repetidamente enfatiza que Jesus morreu uma completamente humana e humilhante morte, totalmente removido do reino de onde ele veio, o reino de Deus. Seu sacrifício, como resultado, foi aceito como a perfeita expiação pelo pecado. Além do mais, Deus não interviu em sua paixão e não fez nada para minimizar sua dor. Jesus morreu ‘apartado de Deus.’” Se esta é a visão de Jesus através de Hebreus, como a variante que Ehrman adota em 2:9 muda este retrato? Em seu Orthodox Corruption, Ehrman diz que “Hebreus 5:7 fala de Jesus, na face da morte, implorando a Deus com grandes clamores e lágrimas.” Mas que este texto esteja falando de Jesus ‘na face da morte’ não é tão claro (nem Ehrman defende esta visão). Depois ele contrói sobre isto em seu capítulo final de Misquoting Jesus – mesmo que ele nunca estabeleceu o ponto – quando ele pergunta, “Foi [Jesus] completamente abandonado na face da morte?” Ele vai ainda mais longe em Orthodox Corruption. Eu estou perdido em entender como Ehrman pode clamar que o autor de Hebreus parece conhecer “de tradições de paixão onde Jesus estava aterrorizado na face da morte” a menos que se conecte estes três pontos, todos os quais são duvidosos – a saber, lendo cwriV qeou em Hebreus 2:9, vendo 5:7 como se referindo principalmente à morte de Cristo e que suas orações eram principalmente para si mesmo, e então a respeito dos grandes clamores ali para refletir seus estado de aterrorizado. Ehrman parece estar contruindo seu caso sobre hipóteses ligadas, que é uma pobre fundamentação no máximo. Marco 1:41
No primeiro capítulo do Evangelho de Marcos, um leproso se aproxima de Jesus e o pede para o curar: “Se você desejar, você pode me fazer limpo” (Marcos 1:40). A resposta de Jesus é gravada no texto de Nestle-Aland como segue: kai… splagcnisqei…nV ekteinaV thn ceira autou hyato kai… legei autw qelw,kaqarisqhti (“e movido por compaixão, ele estendeu [sua] mão e o tocou, dizendo, ‘Eu quero, seja limpo’”). Ao invés de splagcisqei…nV (‘movido por compaixão’) algumas testemunhas ocidentais lêem orgisqeiV (‘ficando nervoso’). A motivação de Jesus para esta cura aparentemente está na balança. Mesmo que a UBS4 dá a splagcnisqei…nV uma classe B, um crescente número de exegetas estão começando a argumentar pela autenticidade de orgisqeiV. Em um Festschrift para Gerald Hawthorne em 2003, Ehrman fez um impressionante argumento pela sua autenticidade. Quatro anos antes, uma dissertação de doutorado de Mark Proctor foi escrito em defesa de orgisqeiV. A leitura também fez seu caminho na TNIV, e é seriamente cogitada na NET. Nós não tomamos o tempo para considerar os argumentos aqui. Neste estágio estou inclinado a pensar que é mais provavelmente original. De qualquer forma, para o bem do argumento, assumindo que a leitura ‘nervosa’ é autêntica, o que isto nos diz de Jesus que não sabíamos antes? Ehrman sugere que se Marcos originalmente escreveu sobre a raiva de Jesus nesta passagem, ela muda nossa figura de Jesus em Marcos significantemente. De fato, este problema textual é o maior exemplo no capítulo 5 (“Originais que Importam”), um capítulo cuja tese central é que algumas variantes “afetam a interpretação de um livro inteiro do Novo Testamento.” Esta tese é superestimada em geral, e particularmente no Evangelho de Marcos. Em Marcos 3:5 Jesus é dito estar nervoso – palavras que estão indisputavelmente no texto original de Marcos. E em Marcos 10:14 ele está indignado com seus discípulos. Ehrman, é claro, sabe disto. De fato, ele argumenta implicitamente no Festschrift de Hawthorne que a raiva de Jesus em Marcos 1:41 se encaixa perfeitamente na figura que Marcos em outro lugar pinta de Jesus. Ele diz, por exemplo, “Marcos descreveu Jesus como nervoso, e pelo menos nesta instância, os escribas ficaram ofendidos. Isto não vem como surpresa; fora de um completo entendimento do retrato de Marcos, a raiva de Jesus é difícil de entender.” Ehrman até mesmo lança o princípio fundamental que ele vê através de Marcos: “Jesus fica nervoso quando qualquer um questiona sua autoridade ou habilidade de curar – ou seu desejo de curar.” Agora, para o bem do argumento, vamos assumir que não somente a reconstrução textual de Ehrman é correta, mas sua interpretação de orgisqeiV em Marcos 1:41 está correta – não somente naquela passagem mas na totalidade da apresentação de Jesus por Marcos. Se assim, como então um nervoso Jesus em 1:41 “afeta a interpretação de um livro inteiro do Novo Testamento”? De acordo com a própria interpretação de Ehrman, orgisqeiV somente aumenta a força da imagem que nós vemos de Jesus neste Evangelho por fazê-lo totalmente consistente com outros textos que falam de sua raiva. Se esta leitura é a Exposição A no quinto capítulo de Ehrman, ela seriamente produz efeitos negativos, pois ela faz pouco ou nada para alterar o geral retrato de Jesus que Marcos pinta. Aqui está outro exemplo, então, no qual as conclusões teológicas de Ehrman são mais provocativas do que a evidência sugere. Mateus 24:36
No Discurso do Monte das Oliveiras, Jesus fala sobre o tempo de seu próprio retorno. De forma destacável, ele confessa que ele não conhece exatamente quando isto será. Em traduções mais modernas de Mateus 24:36, o texto basicamente diz, “Mas quanto ao dia e a hora ninguém o sabe – nem os anjos do céu, nem o Filho – exceto o Pai sozinho.” Contudo, muitos manuscritos, incluíndo alguns antigos e importantes, faltam oude o uioV. Se “nem o Filho” é autêntico ou não é disputado. No entanto, Ehrman novamente fala de forma confiante sobre o tema. A importância desta variante textual para a tese de Misquoting Jesus é difícil de avaliar, contudo. Ehrman alude a Mateus 24:36 em sua conclusão, aparentemente para sublinhar seu argumento que variantes textuais alteram doutrinas básicas. Sua discussão inicial desta passagem certamente deixa esta impressão também. Mas se ele não quer dizer isto, então ele está escrevendo mais provocativamente que é necessário, enganando seus leitores. E se ele quer dizer isto, ele superestimou seu caso.
O que não é disputado são as palavras no paralelo em Marcos 13:32 – “Mas quanto àquele dia ou hora ninguém sabe – nem os anjos no céu, nem o Filho – exceto o Pai.” Assim, não pode haver dúvidas que Jesus falou de sua própria ignorância profética no Discurso do Monte das Oliveiras. Consequentemente, qual ponto doutrinal está realmente em questão aqui? Alguém não pode simplesmente manter que o palavreado em Mateus 24:36 muda as convicções teológicas básicas de alguém desde que o mesmo sentimento é encontrado em Marcos. Ehrman não menciona Marcos 13:32 nenhuma vez em Misquoting Jesus, apesar de que ele explicitamente discute Mateus 24:36 pelo menos seis vezes, aparentemente para o efeito de que esta leitura impactua nosso entendimento fundamental de Jesus. Mas o palavreado muda nosso entendimento básico da visão de Jesus de Mateus? Mesmo isto não é o caso. Mesmo que Mateus 24:36 originalmente faltasse “nem o Filho”, o fato de que o Pai sozinho (ei mh o pathr monoV) tem este conhecimento certamente implica na ignorância do Filho (e o “sozinho” é somente encontrado em Mateus 24:36, não em Marcos 13:32). Novamente, este detalhe importante não é mencionado em Misquoting Jesus, nem mesmo em Orthodox Corruption of Scripture. João 1:18
Em João 1:18b, Ehrman argumenta que “Filho” ao invés de “Deus” é a leitura autêntica. Mas ele vai além da evidência ao declarar que se “Deus” fosse o original o verso estaria chamando Jeus de “o único Deus”. O problema com tal tradução, nas palavras de Ehrman, é que “o termo único Deus deve se referir ao próprio Deus o Pai – de outra forma ele não é único. Mas se o termo refere ao Pai, como ele pode ser usado com o Filho?” O argumento gramatical sofisticado de Ehrman para isto não é encontrado em Misquoting Jesus, mas está detalhado em seu Orthodox Corruption of Scripture: O mais comum recurso para aqueles que optam por [o] monogenhV qeoV, mas que reconhecem que sua tradução de “o único Deus” é virtualmente impossível em um contexto Joanino, é entender o adjetivo substantivamente, e construir a segunda parte de João 1:18 inteira como uma série de aposições, assim que ao invés de ler “o único Deus que está no seio do Pai”, o texto seria traduzido por “o único, que também é Deus, que está no seio do Pai”. Há algo atrativo sobre a proposta. Ela explica o que o texto poderia ter significado a um leitor Joanino e desse modo permite o texto de testemunhas textuais geralmente superiores. Apesar disto, a solução é inteiramente implausível.
O resultado é que tomando o termo monogenhV qeoV como dois substantivos estando em aposição faz uma sintaxe quase impossível, enquanto que construindo-os como uma relação adjetivo-substantivo cria um sentido impossível.
O argumento de Ehrman assume que monogenhV não pode normalmente ser substantivo, mesmo que ele seja usado no versículo 14 – como ele admite. Há muitas críticas que poderiam ser feitas deste argumento, mas o maior entre eles é este: sua consideração absoluta da situação gramatical é incorreta. Seu desafio (“ninguém citou nada análogo fora desta passagem”) é adotada aqui. Há, de fato, exemplos onde um adjetivo que é justaposto a um nome com as mesmas concordâncias gramaticais não está funcionando adjetivamente mas substantivamente. João 6:70: kai ex umwn eiV diaboloV estin. Aqui diaboloV está funcionando como um nome, mesmo que ele seja um adjetivo. E eiV, o adjetivo pronominal, é o sujeito relacionado a diaboloV, o predicado nominativo.
Romanos 1:30: katalalouV qeostugeiV ubristaV uperhfanouV alazonaV,efeuretaV kakwn,goneusin apteiqeiV (“caluniadores, odiadores de Deus, insolentes, arrogantes, orgulhosos, inventores de mal, desobedientes aos pais”—verdadeiros adjetivos em itálicos)
Gálatas 3:9: tw pistw Abraam (“com Abraão, o fiel” como a NASB o tem; NRSV tem “Abraão que creu”; NIV tem “Abraão, o homem da fé”). Indepentende do jeito que é traduzido, aqui um adjetivo é cunhado entre um artigo e um nome que está funcionando substantivamente, em aposição ao nome.
Efésios 2:20: ontoV akrogwniaiou autou Cristou Ihsou (“Cristo Jesus mesmo sendo a principal pedra angular”): apesar de akrogwniaioV ser um adjetivo, ele parece estar funcionando substantivamente aqui (apesar de ele possivelmente ser um adjetivo predicado, eu suponho, com um predicado genitivo). A LSJ lista este como um adjetivo; LN lista como um nome. Ele pode assim ser similar a monogenhV em seu desenvolvimento.
1 Timóteo 1:9: dikaiw nomoV ou keitai,anomoiV de kai anupotaktoiV,asebesi kai amartwloiV,anosioiV kai bebhloiV,patrolwaiV kai mhtrolwaiV,androfonoiV (lei não é feita para um homem justo, mas para aqueles que não possuem lei e rebeldes, para os sem Deus e pecadores, para os impuros e profanos, para aqueles que matam seus pais ou mães, para assassinos [adjetivos e itálico]): este texto claramente mostra que Ehrman superestimou seu caso, pois bebhloiV não modifica patrolwaiV, mas ao contrário é substantivado, como os cinco termos descritivos anteriores.
1 Pedro 1:1: eklektoiV parepidhmoiV (“os eleitos, estrangeiros”): Este texto é interpretado, mas nosso ponto é simplesmente que ele poderia encaixar igualmente no esquema de John 1:18. Ele então se qualifica para textos dos quais Ehrman diz “ninguém citou nada análogo fora desta passagem.”
2 Pedro 2:5: efeisato alla ogdoon Nwe dikaiosunhV khruka (“não poupou [o mundo], mas [preservou] um oitavo, Noé, um pregador de justiça”). O adjetivo ‘oitavo’ fica em aposição a Noé; de outra forma, se ele modificasse Noé, a força seria ‘um oitavo Noé’ como se houvessem outros sete Noés!
Na luz destes exemplos (que são no entanto poucos daqueles encontrados no Novo Testamento), nós podemos assim responder diretamente a questão que Ehrman levanta: “quando um adjetivo alguma vez é usado substantivamente quando ele imediatamente precede um nome de mesma inflexão?” Seu destaque que “Nenhum leitor grego iria construir tal construção como uma linha de substantivos, e nenhum escritor grego iria criar tal inconsistência” não é simplesmente gerada a partir de evidência. E nós temos somente olhado para uma amostra do Novo Testamento. Se os autores do Novo Testamento podem criar tais expressões, em seu argumento interno contra a leitura monogenhV qeoV perde considerável peso.
Agora se torna uma questão de perguntar se há suficientes evidências contextuais que monogenhV está de fato funcionando substantivamente. Ehrman já proveu de ambos: (1) em João, é bem impensável que a Palavra se tornasse o único Deus em 1:18 (no qual ele sozinho, e não o Pai, é clamado ter status divino) somente para ter aquele status removido repetidamente através de todo o Evangelho. Assim, assumindo que monogenhV qeoV é autêntico, estamos de fato quase direcionados para o mesmo sentido que Ehrman considera como gramaticalmente implausível mas contextualmente necessário: “o único, ele mesmo sendo Deus …” (2) que monogenhV qeoV já é usado no versículo 14 como um substantivo se torna o mais forte argumento contextual para ver sua função substantivada repetida quatro versos depois. Imediatamente depois que Ehrman admite que este adjetivo pode ser usado substantivamente e assim é usado no versículo 14, ele faz seu argumento gramatical com a intenção de abandonar as luvas ou para fechar a tampa do caixão (escolha seu cliché) na força da conexão com o versículo 14. Mas se o argumento gramatical não o corta, então o uso substantivado de monogenhV no versículo 14 deveria ficar como uma importante dica contextual. De fato, à luz do já gasto uso no grego bíblico, nós deveríamos quase esperar que monogenhV fosse usado substantivamente com a implicação de filiação em 1:18.
Agora, nossa única preocupação aqui é disputar com o que monogenhV qeoV significaria se ele fosse o original, ao invés de argumentar por sua autenticidade, parece haver suficiente evidência para demonstrar uma força tal qual “o único, ele mesmo Deus” como uma interpretação cabível para esta leitura. Tanto a interna quanto a externa evidência estão do seu lado; a única coisa segurando tal variante é a interpretação que ela é uma leitura modalística. Mas as bases para isto são uma suposição gramatical que temos demonstrado não ter peso. Em conclusão, tanto monogenhV uioV e monogenhV qeoV encaixam confortavelmente na ortodoxia; nenhuma mudança teológica sísmica ocorre se alguém pegar uma leitura ao invés da outra. Apesar de algumas traduções modernas serem persuadidas pelo argumento de Ehrman aqui (tal qual a HCSB), o argumento dificilmente não possui pontos fracos. Quando cada variante é examinada com cuidado, ambas são vistas dentro do reino do ensino ortodoxo.
Suficientemente é dito que se “Deus” é autêntico aqui, é dificilmente necessário traduzir a frase como “o único Deus”, apesar de que isto poderia implicar que Jesus sozinho é Deus. Pelo contrário, como a NET o traduz (veja também a NIV e NRSV), João 1:18 diz, “Ninguém jamais viu a Deus. O Único, Ele mesmo Deus, que está em mais próxima comunhão com o Pai, fez Deus conhecido.”
Em outras palavras, a idéia de que as variantes nos manuscritos do Novo Testamento alteram a teologia do Novo Testamento é superestimado ao máximo. Infelizmente, um estudioso tão cuidadoso como Ehrman é, seu tratamento de maiores mudanças teológicas no texto do Novo Testamento tendem a cair em uma de duas críticas: Ou suas decisões textuais são erradas, ou sua interpretação é errada. Estas críticas foram feitas de seu trabalho anterior, Orthodox Corruption of Scripture, que Misquoting Jesus foi extensamente baseado. Por exemplo, Gordon Fee disse deste trabalho que “infelizmente, Ehrman muito frequentemente transforma meras possibilidades em probabilidades, e probabilidade em certeza, onde outras razões igualmente viáveis para corrupção existem.” Ainda, as conclusões que Ehrman revela em Orthodox Corruption of Scripture ainda são oferecidas em Misquoting Jesus sem o reconhecimento de alguns das severas críticas de seu trabalho a primeira evasiva. Para um livro que tem como alvo uma audiência leiga, alguém poderia pensar que ele iria querer ter sua discussão um pouco mais detalhada, especialmente com todo o peso teológico que ele diz estar em jogo. Alguém quase tem a impressão que ele está encorajando os fracos na fé na comunidade cristã a ter pânico por informações as quais eles simplesmente não estão preparados para encarar. Tempo e tempo novamente no livro, declarações altamente carregadas são reveladas para que as pessoas não treinadas simplesmente não possam filtrar. E aquela abordagem parece mais uma mentalidade alarmista que uma maduro, meste e professor é capaz de oferecer. A respeito da evidência, é suficiente dizer que variantes textuais significantes que alteram as doutrinas centrais do Novo Testamento não foram ainda produzidas.
Aparentemente Ehrman ainda pensa que elas foram. Quando discute as visões de Wettstein do texto do Novo Testamento, Ehrman nota que “Wettstein começou a pensar seriamente sobre suas próprias convicções teológicas, e se sincronizou ao problema que o Novo Testamento raramente, se alguma vez, chama Jesus de Deus de fato.” Destacadamente, Ehrman parece representar esta conclusão não somente como a de Wettstein, mas sua própria, também. Ao ponto que Wettstein estava se movendo para o moderno texto crítico e se afastando do TR, seus argumentos contra a deidade de Cristo eram infundados porque a deidade de Cristo é de fato mais claramente vista no texto crítico grego que na TR. Apesar de Ehrman não discutir a maioria das passagens que ele acha espúrias, ele o faz em Orthodox Corruption of Scripture (especialmente 264-73). Mas a discussão não é realmente substanciada e envolve contradições internas. Em resumo, ele não elabora seu caso. A deidade de Cristo é indiscutível por qualquer variante viável. 1 João 5:7-8
Finalmente, a respeito de 1 João 5:7-8, virtualmente nenhuma tradução moderna da Bíblia inclui a “Fórmula Trinitária”, já que estudiosos por séculos o reconheceram como adicionado posteriormente. Somente poucos manuscritos muito tardios possuem os versos. Alguém perguntaria porque esta passagem é discutida no livro de Ehrman. A única razão parece ser motivar dúvidas. A passagem criou seus caminhos em nossas Bíblias através de pressões políticas, aparecendo pela primeira vez em 1522, mesmo apesar de que estudiosos ali e agora sabiam que ela não era autêntica. A igreja primitiva não conhece este texto, e ainda o Concílio de Constantinopla em 381 D.C. explicitamente afirmou a Trindade! Como eles poderiam fazer isto sem o benefício de um texto que não chegaria ao Novo Testamento Grego por outro milênio? A declaração de Constantinopla não foi escrita em um vácuo: a igreja primitiva colocou em uma fórmula teológica o que eles receberam do Novo Testamento.
Uma distinção deve ser feita aqui: só porque um verso particular não afirma uma doutrina amada não significa que aquela doutrina não pode ser encontrada no Novo Testamento. Neste caso, qualquer um com um entendimento dos saudáveis debates patríticos sobre a Divindade sabe que a igreja primitiva chegou ao seu entendimento por um exame da informação no Novo Testamento. A fórmula Trinitária encontrada em manuscritos tardios de 1 João 5:7 somente resumem o que eles descobriram; ele não informou suas declarações.
Conclusão
Em resumo, o último livro de Ehrman não desaponta na escala provocativa. Mas ele vem destituído de genuína substância sobre sua contenda primária. Eu peço por sua indulgência por eu refletir em dois pontos pastorais aqui.
Primeiro é meu apelo para todos os estudiosos bíblicos para tomar seriamente sua responsabilidade em cuidar do povo de Deus. Estudiosos carregam um dever sagrado de não alarmar leitores leigos em pontos que eles possuem pouco entendimento. De fato, mesmo professores agnósticos carregam esta responsabilidade. Infelizmente, o leigo médio irá terminar Misquoting Jesus com mais dúvidas sobre o palavreado e ensino do Novo Testamento do que qualquer crítico textual jamais ofereceria. Um bom professor não se contém em dizer a seus estudantes o que é o quê, mas ele também sabe como empacotar o material de forma que eles não deixem a emoção ficar no caminho da razão. A ironia é que Misquoting Jesus é supostamente para ser sobre razão e evidência, mas ele tem criado tanto pânico e alarme quanto O Código Da Vinci. É este realmente o efeito pedagógico que Ehrman estava buscando? Eu tenho que assumir que ele sabia que tipo de reação ele iria receber deste livro, pois ele não muda tanto a impressão em suas entrevistas. Sendo provocativo, mesmo correndo o risco de não ser compreendido, parece ser mais importante para ele que ser honesto mesmo correndo o risco de ser chato. Mas um bom professor não cria fracos na fé.
Segundo, o que eu digo para meus estudantes todo ano é que é imperativo que eles persigam a verdade ao invés de proteger suas pressuposições. E eles precisam ter uma sistemática doutrinária que distingue crenças centrais de periféricas. Quando eles colocam mais doutrinas periféricas tais quais inerrância e inspiração verbal no centro, então quando a crença nestas doutrinas começam a se desgastar, ela cria um efeito dominó: Uma cai, todas caem. Parece-me que algo assim pode ter acontecido com Bart Ehrman. Seu testemunho em Misquoting Jesus discutiu inerrância como o primeiro motor em seus estudos. Mas quando um comentário superficial de um de seus professores conservadores em Princeton foi rabiscado em um trabalho de conclusão, ao efeito de que talvez a Bíblia não fosse inerrante, a fé de Ehrman começou a desmoronar. Um dominó se chocou com outro até que finalmente ele se tornou ‘um agnóstico bem feliz’. Eu posso estar errado sobre a própria jornada espiritual de Ehrman, mas eu tenho conhecido também muitos estudantes que foram para aquela direção. A ironia é que aqueles que concentram suas investigações críticas do texto da Bíblia com pressuposições bibliológicas sempre falam de uma ‘corda escorregadia’ na qual todas as convicções teológicas estão amarradas à inerrância. Sua visão é que se a inerrância vai, tudo mais começa a se desgastar. Eu diria ao contrário que se inerrância é elevada ao status de doutrina primária, é quando alguém se encontra em uma corda escorregadia. Mas se um estudante vê doutrinas como círculos concêntricos, com as doutrinas cardeais ocupando o centro, então se as doutrinas mais periféricas são desafiadas, isto não tem um impacto significante no centro. Em outras palavras, a comunidade evangélica continuará a produzir estudiosos liberais até nós aprendermos a definir nossos compromissos de fé um pouco mais, até aprendermos a ver Cristo como o centro de nossas vidas e as Escrituras como aquilo que aponta para ele. Se nosso ponto de partida é abraçar verdades proposicionais sobre a natureza da escritura ao invés de pessoalmente abraçar Jesus Cristo como nosso Senhor e Rei, nós estaremos naquela corda escorregadia, e levaremos várias pessoas para baixo conosco.
Eu me aflijo pelo o que aconteceu a um conhecido meu, um homem que conheci e admirei – e continuo a admirar – por mais de um quarto de século. Não me dá alegria de elaborar esta revisão. Mas de onde estou sentado, parece que a mentalidade preto e branco de Bart como um fundamentalista foi dificilmente afetada já que ele trabalhou arduamente através dos anos e provas da vida e estudo, mesmo quando ele surgiu no outro lado do espectro teológico. Ele ainda vê as coisas sem suficiente detalhamento, ele superestima seu caso, e eles está entrincheirado na segurança que sua própria visão está correta. Bart Ehrman é um dos mais brilhantes e criativos críticos textuais que eu jamais conheci, e ainda suas bases são tão fortes que, algumas vezes, ele nem mesmo pode confirmá-las. Justamente meses antes de Misquoting Jesus aparecer, a quarta edição do Text of the New Testament de Metzger foi publicado. As primeiras três edições foram escritas somente por Metzger e tinham o título de O Texto do Novo Testamento: Sua Transmissão, Corrupção e Restauração. A quarta edição, agora em co-autoria com Ehrman, faz tal título parecer quase falso. O leitor de Misquoting Jesus pode ser tentado a pensar que o subtítulo da quarta edição de Metzger deveria ter sido chamada simplesmente Sua Transmissão e Corrupção.
Ibid., 9. Para um tratamento do problema em Marcos 2.26, veja Daniel B. Wallace, “Mark 2.26 and the Problem of Abiathar,” ETS SW regional meeting, 13 de Março de 2004, disponível em http://www.bible.org/page.asp?page_id=3839.