terça-feira, 26 de julho de 2011

Série ROMANOS:O Evangelho de Paulo IV

SITUAÇÃO HISTÓRICA FORMATIVA DE ROMANOS III

A Situação da Comunidade Cristã de Roma

à Época da Redação de Romanos

D.F.Izidro

      1. Preliminares

a)      A única fonte de informação sobre a situação interna, a composição religiosa e as concepções da comunidade romana de que dispomos é a própria Carta aos Romanos.
b)      Romanos evidencia o fato de que Paulo estava bem informado sobre a comunidade e que podia pressupor nela algum conhecimento sobre sua pessoa e sua atividade.

2. Composição da Comunidade

         Paulo se dirige à comunidade romana em seu todo como a cristãos gentílicos (cf. 1.5s;15.15s;1.13;11.13). Há também expressões que designam claramente os leitores como gentílicos-cristãos (9.3ss;11.23,28,31).
         No entanto, a própria carta aos Romanos modifica essa caracterização: Se partíssemos das exposições da Carta em vez de partirmos dessas afirmações inequívocas, deveríamos concluir por leitores preponderantemente judeus-cristãos. E frequentemente se chegou a essa conclusão.
         O abundante recurso a citações bíblicas e provas escriturísticas, o uso de fórmulas judaico-cristãs (1.3s;3.24s;4.25), especialmente a apaixonada discussão sobre a importância da Lei e a não menos apaixonada luta em torno do problema colocado pelo endurecimento de Israel (9-11), o fato de Paulo se dirigir diretamente ao judeu (2.17) e a expressão “Abraão nosso pai segundo a carne” (4.1), tudo isso parece sugerir a mencionada conclusão de uma comunidade preponderantemente judaico-cristã.
         Não obstante, no que diz respeito à argumentação de Paulo em Romanos com base freqüente no AT, tem que se levar em conta que o AT era o livro sagrado de toda a cristandade primitiva, e que, por isso, a prova escriturística em uma carta paulina não é prova para a origem judaica dos leitores[1] e que a discussão com o judaísmo necessariamente faz parte do evangelho Paulino da justificação somente pela fé.
         Parece mais provável que, em Romanos, Paulo está se dirigindo tanto a cristãos judeus quanto a gentios. Isso talvez signifique que Paulo se dirige a cristãos gentios em alguns textos e a cristãos judeus em outros. De qualquer forma, devemos concluir que Paulo se dirige a uma comunidade mista de cristãos judeus e cristãos gentios.
         No entanto, os cristãos gentios devem ter constituído uma maioria suficientemente grande para justificar o fato de Paulo incluir a comunidade cristã em Roma dentro da esfera daqueles gentios para quem seu apostolado estava especialmente voltado (1.5s;15.15s).
         Na ausência dos cristãos judeus (ocasionada pela expulsão por Cláudio de todos os judeus de Roma), os gentios que se converteram a Cristo devem ter assumido a igreja, e os cristãos judeus que depois voltaram provavelmente eram minoria e talvez fossem vistos com certa tolerância pela ala gentílica então dominante.[2]
         Portanto, quando Paulo escreve sua carta, podemos estar certos de que havia cristãos judeus e gentios em Roma, provavelmente encontrando-se em diversas igrejas nos lares ao invés de em uma única congregação grande.[3]

3. “Problemas” na Comunidade e Concepções Religiosas

         Pelo argumento e estrutura da carta, vê-se que Paulo sabia dos problemas potenciais (se não reais) na igreja de Roma.
         Paulo faz referência a problemas em que a igreja podia ou não estar envolvida: polêmica judaizante (2.17;3.1-31;7.13;9.1-11.36) e dissensão na igreja (14.1-15.7).
         Parece que a coisa mais concreta que temos em Romanos sobre a situação da igreja em Roma é a dissensão entre os “fracos” e os “fortes”, em 14.1-15.13. Os cristãos “fracos” recusam-se a consumir carne e bebidas alcoólicas, considerando-os impuros (14.2,14,21); além disso, também observam dias celebrativos (14.5); já os “fortes”, por outro lado, nada disso fazem ou observam. Paulo se ocupa detalhadamente dessa controvérsia.
         Com base em Rm.15.7ss, explicou-se que essa dissensão se dava entre cristãos-judeus e cristãos-gentílicos.[4]
         Esta identificação, contudo, não é segura, visto que a abstinência de carne e bebidas alcoólicas em princípio não é nada especificamente judaico.[5]
         Por outro lado, não há também nesse texto nenhum sinal que indique que no caso dos “fortes” e dos “fracos” se trate, como em Corinto, do consumo de carne sacrificada a ídolos.
         Mas em Roma, o uso de vinho era bastante controvertido. Portanto, podemos ter aqui uma referência à ascese ritualista em Roma.
         Contudo, sobre sua procedência e seus seguidores nada podemos dizer. Mesmo sobre como Paulo tomou conhecimento da desavença entre “fracos” e “fortes”.
         A carta dá poucas informações sobre as concepções religiosas da comunidade. Paulo considera a comunidade romana como “conhecedores da lei” (7.1) e pressupõe certa concepção do Batismo por partes de seus leitores (6.3). Além disso, a referência à homologia: “Senhor é Jesus” (kurion Ihsoun [kúrion Iesoûn]) e à fórmula pistis: “Deus ressuscitou a Jesus dentre os mortos” (o qeoV  auton hgeiren ek nekrwn [ho theòs autòn égeiren ek nekrôn]), Rm.10.9, bem como outras fórmulas (1.3s;3.24s;4.25) certamente também deverão lembrar coisas conhecidas dos romanos.
         Paulo queria que os cristãos romanos soubessem o que ele estivera pregando no Oriente e o que ele planejava levar para o Ocidente. Ele queria que eles reconhecessem que todas as suas conclusões éticas práticas eram baseadas no Evangelho (12.1), do qual ele era apóstolo (1.1), e não se envergonhava de sua proclamação (1.16).

BIBLIOGRAFIA

BROADUS,David Hale.Introdução ao Estudo do Novo Testamento.Rio de Janeiro:Editora Juerp,1983.
CARSON,D.A.;MOO,Dougla;MORRIS,Leon.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo: Editora Vida Nova,1997.
CULLMANN,Oscar.A Formação do Novo Testamento.São Paulo:Editora Sinodal,1984.
GUNDRY,Robert H.Panorama do Novo Testamento.São Paulo:Vida Nova,1978.
KUMMELL,W.G.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo: Paulus/Teológica,2003.
QUESNEL,Michel.Paulo e as Origens do Cristianismo.São Paulo:Paulinas,2005.
TERRA,João E.M.Revista de Cultura Bíblica – Cartas de São Paulo.São Paulo:Edições Loyola,2000.
VIELHAUER,Phillip.História da Literatura Cristã Primitiva.São Paulo:Academia Cristã,2005.


[1] Gálatas, por exemplo, não fora destinada a judeus-cristãos, contudo se apóia com freqüência no AT e discute questões relacionadas ao judaísmo (ou judaizantes).
[2] Veja esp.Wiepel, em Jewish community (p.109-13).
[3] Observa-se, por exemplo, que a palavra “Igreja” (ekklhsia [ekklesía]) não aparece em Romanos; veja F.F.Bruce, em Paul: apostle of the heart set free (p.385-9). A comunidade cristão pode ter, então, refletido a falta de centralização que caracterizava a comunidade judaica em Roma; veja Romano Penna, em Les Juifs à Rome au temps de l’apôtre Paul (NTS 28,p.327-8);Leon, em Jews (p.135-70).
[4] Na obra de Carson, Moo e Morris, Introdução ao Novo Testamento, lemos: “Ademais, os ‘fracos na fé’ a quem Paulo se dirige em 14.1-15.13 devem, com grandes possibilidades, ser identificados com a facção cristã judaica”. No entanto, a questão é controvertida entre os estudiosos.

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