terça-feira, 26 de julho de 2011

Série ROMANOS:O Evangelho de Paulo III

SITUAÇÃO HISTÓRICA FORMATIVA DE ROMANOS II

A Comunidade Cristã de Roma

D.F.Izidro

         Surgimento da comunidade romana está envolto em total escuridão; não sabemos quando nem por intermédio de quem a fé cristã chegou a Roma.[1]
         A carta aos Romanos é o testemunho mais antigo da existência de uma comunidade cristã em Roma, donde, porém, nada ficamos sabendo sobre a sua origem.[2]
         Todavia, a época provável de sua origem pode ser, aproximadamente, determinada com base em duas informações importantes: A expulsão de Priscila e Áquila de Roma, bem como dos demais judeus que lá residiam, e a nota de Suetônio, historiador romano do I século.
         De acordo com At.18.2, Paulo conheceu no início de sua estada em Corinto (49-50 d.C.) o casal judeu Áquila e Priscila, recentemente chegados da Itália, porque Cláudio havia decretado que todos os judeus deveriam retirar-se de Roma.
         Pelo que tudo indica esse casal já era cristão quando de seu encontro com Paulo, isto é, judeus-cristãos, pois Atos não relata sua conversão, mas os denomina como cristãos (At.18.18ss,26ss). Se Áquila e Priscila já eram cristãos quando foram expulsos de Roma então já existia ali uma comunidade cristã na época do edito de Cláudio contra os judeus (49 d.C.).
         A nota de Suetônio (ca.120) sobre esse edito do Imperador Cláudio, corrobora nesse sentido: [Claudius] “Judaeos impulsore Chresto assidue tumultuantes Romae expulit” ([Cláudio]“Expulsou de Roma os judeus que, incitados por Cresto, constantemente provocavam tumulto”).[3] Essa breve frase que se encontra entre a listagem de numerosos editos de Cláudio, pode significar que os tumultos que ensejaram o edito na colônia judaica de Roma, tenham sido provocados por um homem cujo nome grego era CrhstoV (Chrestós). É provável que “Chresto” seja a reprodução de “Cristo”, pois para os de fora a palavra “Cristo” (CristoV [Christós]) não era compreensível em seu sentido como título (o ungido, o messias), e por causa de sua homofonia (h e i) era compreendido e reproduzido como um nome próprio grego.
         Isso significa que na comunidade judaica de Roma haviam surgido violentas discussões sobre “Cristo”, isso é, sobre a messianidade de Jesus, chegando a um ponto tal que levara Cláudio a expulsar os judeus de Roma.[4]
         Para a nossa compreensão das origens da comunidade cristã em Roma, a nota de Suetônio permite-nos concluir duas coisas: 1) por volta de 49 d.C. existiam numerosos cristãos em Roma, e isso já há algum tempo, ainda que não há muito tempo, pois se pode deduzir isso da menção aos “constantes tumultos” e da conclusão de que o anúncio da messianidade  de Jesus logo deveria provocar resistência – aproximadamente desde a metade de 40 d.C.; 2) os cristãos encontravam-se nas sinagogas, ainda não sentiam a necessidade de afastar-se dela, portanto eram judeus em sua maioria.
         Mas o edito de Cláudio teve uma conseqüência importante para a comunidade cristã: acelerou o processo, de qualquer modo inevitável, de separação da comunidade cristã da sinagoga e, portanto, do judaísmo. Quando Paulo escreveu Romanos, a comunidade cristã de Roma já não estava mais no meio sinagogal-judaico.
         Sobre a origem dessa comunidade cristã em Roma, lendas posteriores fazem de Pedro o fundador e primeiro bispo dessa comunidade, mas são contestadas pelos testemunhos mais antigos para a relação de Pedro com Roma. Nestes se menciona Pedro e Paulo juntos, mas não mencionam a fundação da comunidade (1Clem.5.2-7;InRom.4.3): Clemente de Roma, por exemplo, não escreveu acerca da fundação dessa igreja, embora ele tenha escrito que Paulo e Pedro, ambos foram martirizados lá.
         Segundo uma tradição de Irineu (180 d.C.)[5], Paulo e Pedro juntos fundaram a igreja de Roma; outra tradição posterior menciona Pedro como o fundador e primeiro bispo da igreja (Catalogus Liberianus [354 d.C.]). Mas nenhuma dessas tradições pode ser aceita. Na verdade, a própria carta de Paulo aos Romanos deixa claro que ele era estranho à Igreja em Roma (Rm.1.10,13;15.22). Nem é possível que Pedro tenha fundado uma igreja ali.
         Na verdade, é aceito de maneira geral por todos os estudiosos do NT, incluindo os católicos romanos, que Pedro não foi a Roma para fundar a igreja, embora se aceite, mesmo por eruditos protestantes, que Pedro foi a Roma pouco antes de sua morte em 68 d.C.
         Em Romanos 16, Paulo parece tentar encontrar todo elo possível entre si e a igreja em Roma, mas Pedro em nenhuma parte é mencionado nessa carta. Pedro também não é mencionado em nenhuma das epístolas da prisão, nem em II Timóteo (cf.4.11).
         A tradição mais provável sobre a origem da comunidade cristã de Roma é preservada por um escritor do IV século d.C. cujo nome é Ambrosiastro, o qual, sendo membro da igreja em Roma, escreveu, num comentário sobre Romanos, que estes haviam aceitado a fé cristã (de forma judaica) sem o trabalho de qualquer apóstolo.[6]
         Essa idéia de que a fé cristã da igreja em Roma era do tipo judaica confirma as palavras de Atos 2.10, onde se diz que havia judeus de Roma em Jerusalém no Pentecostes. Sabe-se que havia uma colônia de cerca de 40.000 judeus em Roma, com suas sinagogas, durante o século I d.C. E muitos dos judeus devotos fariam a viagem a Jerusalém para as importantes festas judaicas, dentre as quais a Páscoa e o Pentecostes. Pode-se concluir, então, de Atos 2, que alguns desses judeus se converteram e retornaram a Roma, formando ali uma nova igreja cristã.
         Kümmel observa que em parte alguma da epístola aos Romanos há qualquer identificação da pessoa que tenha sido responsável pela fundação da comunidade, mesmo em textos específicos onde se esperaria essa informação, tais como 1.8ss;15.14ss.[7]
         O fato é que a fé cristã chegou a Roma por pessoas que não conhecemos – provavelmente, como já dissemos anteriormente, através de Judeus romanos que por ocasião de peregrinações para as festas em Jerusalém, haviam sido conquistados para Cristo[8]; talvez também por missionários judeus-helenistas do círculo de Estevão (cf. At.8.4;11.19).

BIBLIOGRAFIA

BROADUS,David Hale.Introdução ao Estudo do Novo Testamento.Rio de Janeiro:Editora Juerp,1983.
CARSON,D.A.;MOO,Dougla;MORRIS,Leon.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo: Editora Vida Nova,1997.
CULLMANN,Oscar.A Formação do Novo Testamento.São Paulo:Editora Sinodal,1984.
GUNDRY,Robert H.Panorama do Novo Testamento.São Paulo:Vida Nova,1978.
KUMMELL,W.G.Introdução ao Novo Testamento.São Paulo: Paulus/Teológica,2003.
QUESNEL,Michel.Paulo e as Origens do Cristianismo.São Paulo:Paulinas,2005.
TERRA,João E.M.Revista de Cultura Bíblica – Cartas de São Paulo.São Paulo:Edições Loyola,2000.
VIELHAUER,Phillip.História da Literatura Cristã Primitiva.São Paulo:Academia Cristã,2005.


[1] Segundo W.G.Kümmel, “Em Rm.15,22s (cf.1.13), Paulo escreve que durante vários anos pretendera ir visitar os irmãos em Roma, o que significa que já devia haver cistãos na capital do Imperium Romanum desde os anos 50”. In: Introdução ao novo testamento.Paulinas: São Paulo.pg.399.
[2] Além de Romanos temos, no NT, o relato de Atos 28.15, onde se conta de cristãos vindos de Roma que levaram Paulo para lá.
[3] Vita Claudii 25.2. Suetônio.
[4] Na verdade, o fundo religioso desses tumultos dos judeus com os cristãos não interessava a Cláudio, e sim a oportunidade que esses mesmos tumultos lhe ofereceram de tomar medidas enérgicas contra os judeus de Roma, cujo crescimento lhe era incômodo.
[5] Adv.Haer.3.1.2.
[6] Os romanos “abraçaram a fé em Cristo, ainda que de acordo com o ritual judaico, sem terem visto qualquer sinal de obras portentosas ou qualquer dos apóstolos” Ambrosiastro,PL 17,col.46.
[7] op.cit.Kümmel.pg.400.
[8] Uma forte evidência dos laços religiosos entre os judeus romanos da Dispersão e os de Jerusalém transparece quiçá no fato de que havia em Jerusalém uma sinagoga dos Libertos (At.6.9), cujos membros eram, na sua maioria descendentes dos judeus que haviam sido levados prisioneiros para Roma, por ocasião da guerra de Pompeu em 61 a.C. Posteriormente esses judeus foram libertados e constituíram um poderoso elemento na comunidade judaica romana.

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