sábado, 30 de julho de 2011

Interpretação Bíblica

O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO

BÍBLICA E A EXEGESE

D.F.Izidro
         
 O departamento da teologia responsável pelas questões relacionadas à interpretação da Bíblia é a Teologia Exegética. É neste campo que a problemática metodológica e filosófica[1] da interpretação bíblica tem seu lugar. A Teologia Exegética, por vias da Hermenêutica, estabelece métodos, leis e/ou princípios através dos quais pensa-se compreender melhor o texto bíblico histórico. Metodologias de Exegese também são descritas por esse campo da teologia com fins à sua coerente interpretação. Mas é mesmo necessário uma metodologia pré-estabelecida para a interpretação de textos bíblicos? Se a resposta é “sim”, a pergunta é “porque?”. Tal pergunta nos servirá de condutor para a compreensão da problemática e importância da Exegese Bíblica.
         Há de fato muita dificuldade a espera daqueles que pretendem ler a Bíblia aleatoriamente ou sem critérios proporcionais à sua natureza histórico-literária. Devido sua própria natureza e circunstâncias em que se formou, a Bíblia possui algumas barreiras que tornam sua interpretação no mínimo problemática ou até mesmo inacessível. Que barreiras são essas, então?

1. Barreira Histórica

         A primeira barreira com a qual nos deparamos quando pretendemos interpretar a Bíblia é a barreira histórica. Ou seja, a Bíblia foi escrita ou formada em circunstâncias e épocas totalmente distantes e diferentes da nossa realidade de hoje. A Bíblia é, sem dúvida, um livro histórico, nascido e configurado dentro de matizes históricas específicas. Seu contexto histórico e destinatários originais são por nós muitas vezes desconhecidos quanto a sua natureza e problemáticas peculiares. Em outras palavras, a Bíblia não foi, do ponto de vista histórico, escrita para nós hoje do século XXI. Há um grande abismo histórico e cronológico entre nós hoje e os antigos autores bíblicos. A Bíblia é histórica, nasceu na história, pela história e para a história. Portanto, toda leitura bíblica precisa ser uma leitura histórica. Se não apreendermos a “cosmovisão” do período histórico em que a Bíblia nasceu e se formou, pagaremos o preço de não compreende-la correta e/ou abrangentemente.

2. Barreira Sócio-Cultural

         Além da barreira histórica, nos deparamos também com o que podemos chamar de barreira sócio-cultural. Esta diz respeito ao mundo social, econômico, político e religioso em que se formou a Bíblia. É sabido que a bíblia se originou na estrutura sócio-cultural do Antigo Oriente Próximo, mais especificamente na Palestina, como seu cenário geográfico principal. As diferenças culturais entre Ocidente e Oriente são óbvias. Estamos diante de uma literatura antiga emoldurada dentro de um contexto judaico-helenista com suas mais ricas peculiaridades. A ignorância quanto às estruturas sociais e culturais da época e ambiente onde nasceu a Bíblia torna totalmente inviável qualquer aproximação à sua interpretação.

3. Barreira Lingüística

         Como se não bastassem as dificuldades hermenêuticas alistadas até aqui, temos ainda o problema da linguagem peculiar da Bíblia. Trata-se da barreira lingüística. A Bíblia não foi escrita em nossa língua, mas em três línguas bastante arcaicas, a saber, Hebraico, Aramaico e Grego. Nossas traduções no vernáculo tornam o texto apenas acessível aos leigos, contudo, não podem jamais substituir os originais[2]. Entender a sintaxe original do texto bíblico possibilitaria uma maior compreensão do texto Sagrado. Além do mais, temos também que lidar com o problema da linguagem e estilos específicos com que os autores bíblicos escreveram seus textos, bem como os gêneros literários específicos que utilizaram na configuração de suas obras.

4. Metodologia Necessária

         Outras dificuldades para a interpretação bíblica poderiam ser destacadas aqui, contudo, estas são suficientes ao menos para demonstrar o problema da sua interpretação e a conseqüente necessidade de uma Metodologia de interpretação que nos ajude a transpor cada um destes obstáculos.[3] Pois fica óbvio,pela natureza intrínseca da própria Escritura, que sem a aquisição de pré-requisitos históricos e literários, relacionados à formação da bíblia, nos será impossível a sua correta interpretação. E é para a “solução”[4] desse problema hermenêutico que surge a Exegese como uma ferramenta indispensável para a  mais correta e precisa  interpretação do texto bíblico.      
         Por meio da Exegese Bíblica poderemos transpor estas barreiras e nos aproximar cada vez mais do sentido original-histórico das Escrituras. Seu uso e aplicação são por demais importantíssimos se quisermos prosseguir na carreira dos Estudos Bíblicos. A Exegese Bíblica nos levará através da história e cultura em que se formaram os textos da Bíblia;como também nos capacitará a compreender as estruturas e o funcionamento da linguagem bíblica, e desse modo nos colocar, o quanto for possível, em contato com o significado histórico do texto bíblico e a intenção autoral.




[1] Sobre discussões filosóficas a respeito da interpretação bíblica confira a importante obra de Ricouer: Ricouer,Paul.Ensaios sobre a interpretação bíblica.São Paulo: Novo Século.
[2] Há também um outro problema: o “problema textual”, o qual diz respeito a reconstrução dos manuscritos originais da Bíblia Sagrada pelo fato dos mesmos não nos serem disponíveis hoje, senão através de milhares de cópias e versões antigas. É tarefa da “Crítica Textual” reconstruir, na medida do possível, o texto original da Escritura Sagrada. Esse é, portanto, um outro problema ao qual tem de se ater qualquer estudioso sério dessa mesma Escritura.Para uma introdução à “Crítica Textual”, quanto à sua definição, metodologia e resultados, consulte a satisfatória obra de Parosch: PAROSCH,W.Crítica textual do novo testamento.São Paulo:Vida Nova,1993.
[3] Para uma discussão mais ampla sobre a necessidade da Hermenêutica e da Exegese bíblicas, consulte as seguintes obras: Fee,Gordon D.;Stuart,Douglas.Entendes o que lês?:Um guia para entender a bíblia com o auxílio da exegese e da hermenêutica.São Paulo:Vida Nova,1984.pgs.13-27.Fee e Stuart discutem sobre “A Necessidade de Interpretação” técnica do texto bíblico;SILVA,Moisés.Quem precisa de hermenêutica?.In: KAISER,Walter C.Jr.;SILVA,Moisés.Introdução à hermenêutica bíblica.São Paulo:Cultura Cristã,2002.pgs.13-23. Moisés Silva destaca a importância da hermenêutica/exegese de conformidade com a natureza “humana” das Escrituras;VIRKLER,Henry A.Hermenêutica:Princípios e processos de interpretação bíblica.São Paulo:Vida,1987.pgs.9-33.Henry Virkler busca demonstrar o que ele chama de “base teorética e bíblica da necessidade da hermenêutica”.
[4] Malgrado tudo isso, mesmo a exegese bíblica científica, com todos os seus resultantes desenvolvimentos, não pode, nem tem podido resolver todos os problemas relacionados à interpretação bíblica. Na verdade, ainda há problemas complexos e “insolúveis” em alguns aspectos da interpretação, como, por exemplo, o problema da contextualização, da subjetividade do leitor/intérprete, das limitações de dados históricos sobre personagens, povos, comunidades e acontecimentos da Bíblia, a cronologia, a intenção autoral, etc.

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