terça-feira, 12 de julho de 2011

Série Resenha Crítica I

O Evangelho de Judas

D.F.Izidro

KASSER,Rodolphe;MEYER,Marvin;WURST,Gregor:EHRMAN,Bart D.O Evangelho de Judas:do códice Tchacos.Editora Prestígio:São Paulo.2006. 185 pgs.

Autores/Editores da Obra

Rodolphe Kasser, Ph.D., é professor emérito da Faculdade de Arte da Universidade de Genebra (Suíça) e é um dos prinicipais coptologistas do mundo. Ele organizou a restauração e preparou a edição princeps do Códice Tchacos, que contém o Evangelho de Judas e três outros textos gnósticos em copta.

Marvin Meyer, Ph.D., professor da bolsa Griset de Estudos da Bíblia e do Cristianismo e diretor do Instituto Albert Schweitzer na Universidade de Chapman,em Orange, Califórnia (Estados Unidos), é  um dos estudiosos mais renomados sobre gnosticismo, a biblioteca de Nag Hammadi e textos a respeito de Jesus fora do Novo Testamento.

Gregor Wurst, Ph.D., é professor de história eclesiástica e patrística na Universidade de Augsburgo (Alemanha).

Bart D.Ehrman, Ph.D., é professor de Distinção James A.Gray e chefe do Departamento de Estudos Religiosos na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill (Estados Unidos), e é também especialista em primórdios do cristianismo.

François Gaudard,Ph.D.,é egiptólogo e pesquisador associado do Instituto Oriental da Universidade de Chicado (Estados Unidos). Gaudart é apresentado neste volume como cooperador da edição.

Descrição e Análise da Obra

         O Evangelho de Judas, publicado pela editora Prestígio, traz o texto do dito Evangelho Apócrifo-gnóstico mais recentemente descoberto, bem como comentários crítico-acadêmicos feitos por estudiosos que trabalharam direta ou indiretamente com a restauração do seu texto e a decifração de seu conteúdo. Após a apresentação do texto em português do Evangelho de Judas, seguem-se quatro ensaios acadêmicos sobre a descoberta, o texto e o conteúdo do Evangelho de Judas, bom como o tipo de gnosticismo cristão primitivo que ele encerra.

         O volume começa com uma breve introdução sobre o Evangelho de Judas, sua descoberta e significado, bem como sobre o escopo e conteúdo desta edição, por Marvin Meyer.

         A seguir temos a exposição do próprio texto do Evangelho de Judas, acrescido de notas de rodapé com comentários sobre a tradução e o provável significado de algumas porções do texto.

         Após a apresentação do texto do Evangelho de Judas, seguem-se comentários de Rodolphe Kasser, Bart Ehrman, Gregor Wurst e Marvin Meyer, em forma de ensaios, sobre a descoberta, restauração e interpretação do Evangelho gnóstico de Judas Iscariotes.

         No primeiro ensaio, Rodolphe Kasser descreve de modo bastante dramático a história da descoberta, circulação, desintegração e restauração do códice que continha o Evangelho de Judas e mais três textos apócrifo-gnósticos.

         No segundo ensaio, Bart Ehrman discute com profundidade e agudez científica sobre o significado e conteúdo do Evangelho de Judas. Ehrman descreve muito bem a natureza do Evangelho de Judas dentro de seu contexto de formação gnóstica setiana, além de apresentar também as diversas visões teológicas do Evangelho de Judas sobre Deus, Jesus, os discípulos de Jesus, o próprio Judas e a salvação. Ehrman também apresenta boas noções sobre o gnosticismo cristão dos primeiros séculos do cristianismo. A apresentação de Ehrman sobre o Evangelho de Judas é clara, concisa e fundamental para entender algo sobre este inusitado Evangelho.

         Gregor Wurst, no terceiro ensaio da edição, debate com toda a maestria e rigor acadêmico que lhe é peculiar sobre a relação do texto copta do Evangelho de Judas recentemente descoberto no Médio Egito e o escrito de Irineu de Lyon, do II d.C., o qual faz alusão a um texto gnóstico que levava esse mesmo título – “O Evangelho de Judas”.

         Não obstante a conclusão inicial de muitos estudiosos sobre a identificação desse mesmo Evangelho gnóstico mencionado por Irineu em sua obra Contra as Heresias com o Evangelho de Judas copta encontrado no Egito, Wurst levanta questões problemáticas sobre esta identificação que precisam ser respondidas antes de identificar o texto referido por Irineu como esse mesmo Evangelho gnóstico. Wurst fala sobre a hipótese de haverem até mesmo mais de um texto gnóstico com esse título. Em suma, Wurst discute sobre se o Evangelho de Judas referido por Irineu de Lyon, no II século d.C., é o mesmo texto copta do Evangelho de Judas que temos então.

         Finalizando os subseqüentes comentários sobre o Evangelho de Judas, bem como a própria edição sobre o mesmo, Marvin Meyer discute e reflete, em seu ensaio, sobre o tipo de gnosticismo que encerra esse Evangelho gnóstico do II século d.C. Após identificar o gnosticimo do Evangelho de Judas como sendo do tipo Setiano, ele define esse tipo de gnosticismo e apresenta algumas interpretações no Evangelho de Judas a partir dessa perspectiva gnóstico-setiana com a colaboração de outros textos gnóstico-cristãos de caráter setiano.

         Após as “Notas Finais” que seguem imediatamente aos ensaios acadêmicos sobre o Evangelho de Judas, temos ainda uma “Bibliografia Selecionada” e também, ao final do volume, uma “Nota sobre a Edição” a qual traz, em síntese, uma descrição do processo de restauração e autenticação do códice Tchacos, isto é, o códice que trazia, além do Evangelho de Judas, outros três textos gnósticos.

         Sem dúvida, a contribuição dessa tradução em português do Evangelho de Judas para os estudos da literatura cristã primitiva e bem como do cristianismo das origens não pode ser mensurada. A tradução em inglês dessa edição fora levada a público em Abril desse mesmo ano (2006), e não muito depois, é surpreendente, já podemos lançar mão de uma tradução portuguesa dessa mesma edição em tão pouco tempo depois. Isso é, de fato, um grande avanço, nesse sentido.

         Os comentários de Meyer, Kasser, Wurst e Ehrman sobre o Evangelho de Judas são, de fato, valiosíssimo, em função de sua competência e sua experiência de contato com esse Evangelho. Tais ensaios são muito esclarecedores e rigorosamente científicos, nos brindando com as primeiras contribuições acadêmicas a respeito desse texto ainda passivo de muitos comentários.

         A tradução aliada aos comentários de rodapé sobre a tradução e o significado de algumas porções do texto do Evangelho são muito esclarecedores para um primeiro contato com o texto. A bibliografia apresentada também mostra seu valor no auxílio que presta a outros estudiosos que desejem pesquisar mais sobre o assunto.

         O ensaio de Kasser nos situa na história da descoberta e restauração do texto do Evangelho; o de Wurst nos faz refletir com maior rigorosidade sobre a identificação do mesmo; Ehrman nos elucida o significado do Evangelho de Judas e Meyer nos dá noções sobre o tipo de gnosticismo que ele desenvolve no seu texto. Todos esses ensaios são de valor inquestionável sobre o assunto.

         Não obstante as referidas considerações positivas sobre a obra, quero referir-me aqui a apenas dois aspectos negativos desta excepcional edição em língua portuguesa do Evangelho de Judas: do ponto de vista da redação, a repetitividade de conteúdo; e do ponto de vista das motivações, o sensacionalismo da edição e de alguns comentaristas.

         Quanto ao caráter repetitivo, percebe-se que algumas informações se repetem durante todo o livro, às vezes no mesmo comentarista, e às vezes em comentaristas diferentes. Quiçá, tenha faltado algum cuidado revisor na detecção de certas redundâncias de informação no desenrolar dos textos (cf.por ex.pgs.13,49,121;1-15,47ss,183).

         Quanto ao sensacionalismo, o mesmo é perceptível desde a capa do livro – “O Texto Perdido que Revolucionou a História do Cristianismo”. Alguns comentaristas também mostram tendências sensacionalistas nesse mesmo sentido. Esse é o caso de Bart Ehrman, no início e no final de seu ensaio, bem como Marvin Meyer já desde a introdução do livro (cf.pg.77, 119,120; 1ss). Ehrman, por exemplo, intitula seu ensaio de “O Cristianismo de Ponta-Cabeça”.

         Bem, o fato é que, não obstante o valor histórico e bíblico-exegético dessa descoberta, o Evangelho de Judas e sua “Visão Alternativa” (Ehrman) não “abalam” e nem mesmo propõem qualquer “reformulação do cristianismo tradicional”. Sem dúvida, não há nenhuma evidência de que tal descoberta tenha de fato “revolucionado a história do cristianismo”. Tal “revolução” ainda não pôde ser sentida ou mesmo comprovada. Infelizmente, mesmo estudiosos sérios como Bart Ehrman e Marvin Meyer acabam sucumbindo à tentação da mídia sensacionalista.












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