segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Antropologia Urbana?

Antropologia Urbana


D.F.IZIDRO 

O texto que segue trata-se de um “resumo” com recortes que fiz de passagens importantes do pensamento de Gilberto Velho sobre Antropologia Urbana, em um artigo intitulado Antropologia Urbana: Encontro de Tradições e Novas Perspectivas.


Antropologia Urbana: Por um novo e vasto olhar antropológico


A antropologia urbana é, inevitavelmente, inter e multidisciplinar. Tal diálogo e a comunicação entre diferentes disciplinas e linhas de pesquisa tem sido bastante valorizado hoje.

Contudo, foi não apenas isso, mas também o fato da própria complexidade da cidade moderno-contemporânea, particularmente das grandes metrópoles, que levou ao interesse e desenvolvimento dessa área de pesquisa.

Foi a partir da segunda metade do século XIX que pensadores de diferentes orientações passaram a se dedicar, de forma sistemática, à reflexão e pesquisa sobre o meio urbano. Tal interesse pelo urbano e/ou pela cidade se deu em paralelo ao desenvolvimento da própria antropologia como um todo que, inicialmente, voltava-se apenas para o estudo do mais distante e do aparentemente exótico e remoto.

Ademais, tal interesse pelo urbano e suas variedades se deu na Escola de Chicago, entre 1892 e 1929, no departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade de Chicago, cujos expoentes William Thomas e Robert Park demonstraram bastante interesse pelas sociedades tribais e tradicionais, buscando identificar e compreender as diferenças socioculturais dentro das grandes cidades em acelerado crescimento, as quais consideravam tão importantes de serem estudadas como as diferenças entre sociedades e culturas aparentemente mais distantes e exóticas.

Os interesses e trabalhos da Escola de Chicago eram muito diversificados, portanto, sendo impossível colocá-los em um compartimento estanque. A Escola de Chicago não tinha uma unidade doutrinária, sendo constituída por uma rede de profissionais com tipos e graus diferentes de ligação com o interacionismo, o pragmatismo, a fenomenologia, a ecologia e o marxismo. Era o interesse pela pesquisa dos mais variados tipos com destaque para o trabalho de campo e observação participante que os unia. Essa variedade de objetos, contudo, eram selecionados no meio urbano, especialmente de Chicago,seu laboratório urbano por excelência,embora tenha se estendido também por todo Estados Unidos e outras partes do mundo.

Eis alguns dos temas estudados: relações raciais, ecologia urbana, carreiras e profissões, grupos desviantes, arte, minorias étnicas, processos de socialização, instituições totais, imprensa, comunicação de massas, bairros, educação, etc.
Tal heterogeneidade de objetos estimulou o desenvolvimento de várias linhas de investigação, com diferentes modos de olhar e de perceber a realidade de modo que, assim, buscavam e descobriam também novos temas e questões, em um processo de produção científica exemplar.

A forte influência de G.Simmel nessa Escola e nesses estudos é indubitável,não apenas nos estudos da sociedade,mas também da realidade em geral,pois para ele nada era insignificante e secundário. Escreveu sobre dinheiro e mercado, individualismo, conflito, sociabilidade, música, prostituição, aventura e aventureiros, culturas subjetiva e objetiva, grupos e redes, cultura feminina, formas sociais, ponte e porta, destino, rosto, paisagem, alimentação, estética, arte em geral. Sua abertura intelectual e interesses eram supradisciplinar.

A complexidade, dimensão e heterogeneidade dos grandes centros urbanos moderno-contemporâneos introduzem novas dimensões na experiência e comportamento humanos, algo mais fortemente evidenciado a partir da Revolução Industrial, com os grandes deslocamentos populacionais, migrações e profundas transformações na estrutura e na divisão social do trabalho, com fortes conseqüências para a produção em geral. Tudo isso, contudo, não se deu somente no nível específico do trabalho, mas, de modo mais amplo, no que toca à aparição e multiplicação de novos papéis e domínios sociais. Torna-se, assim, importante a análise que focaliza o multipertencimento como fenômeno que evidencia o trânsito não só entre diferentes correntes, mas entre distintos domínios e níveis da realidade.

No campo das ciências sociais, desde Simmel, pelo menos, se fala de indivíduo como categoria básica constitutiva, através da interação, da vida social. Surge, então,a a pergunta e/ou dúvida sobre a possibilidade ou não de uma consistência identitária individual e âncoras identitárias algo que depende de uma compreensão melhor das diferentes naturezas da interação,das redes sociais,do trânsito entre universos simbólicos e culturais,das noções de províncias de significado e de mundos,das redes de significado de Clifford.Geertz, das correntes de tradição cultural de F.Barth, dos multipertencimentos e do potencial de metamorfose de indivíduos vivendo e agindo em campos de possibilidade socioculturais.

A produção da antropologia urbana tem contribuído de modo significativo nessa direção e poderá se beneficiar bem mais ainda, aprofundando e ampliando suas pesquisas e reflexões.

Sobre o Dr.Gilberto Cardoso Alves Velho

Nascido no Rio de Janeiro, 1945; antropólogo brasileiro.Graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1968). Mestre em Antropologia Social também pela UFRJ (1970). Especializou-se em Antropologia Urbana e das Sociedades Complexas na Universidade do Texas, em Austin (1971). Doutor em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo (1975).
Atua nas áreas de Antropologia Urbana, Antropologia das Sociedades Complexas e Teoria Antropológica. Além de vários cargos acadêmicos, como coordenador do PPGAS do Museu Nacional e chefe de Departamento de Antropologia, foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia - ABA (1982-84), presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS (1994-96) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1991-93).
Foi membro do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (1983-93), tendo sido relator do primeiro tombamento de terreiro de candomblé realizado no Brasil - Casa Branca, em Salvador. Foi também membro do Conselho Federal de Cultura (1987-88).
Desde 2000, é membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (2000) e com a Comenda da Ordem de Rio Branco (1999). Tem sido colaborador e professor visitante de várias universidades brasileiras e estrangeiras.
Até o presente, orientou 61 dissertações de mestrado e 29 teses de doutorado.
Atualmente é professor titular e decano do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ.

 

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